Disse Drummond de Andrade que no meio do caminho havia uma pedra. Pretendia dizer que encontramos pela frente obstáculos que nos levam a alterar o percurso, dificuldades que nos obrigam a esforços quando estamos cansados.

Este princípio de década tem sido assim – cada vez que fica para trás um problema, é sucedido por outro, qual Sísifo que empurra a pedra montanha acima apenas para a ver escapar-se e rolar para baixo, e ter que recomeçar uma e outra vez.

Esta semana vimos começar a desenhar-se um acordo de governação para a Alemanha, com o entendimento a que chegaram sexta-feira passada sociais-democratas, verdes e liberais.

Scholz está a um passo de se tornar chanceler, sucedendo a Merkel e pondo fim à governação de CDU/CSU. Resta agora redigir o contrato de coligação, sendo que para já estão acordados princípios básicos entre os três, e afastado o receio de passarmos muitos meses com a Alemanha politicamente bloqueada. Tudo indica que iremos ter rapidamente um governo alemão forte e pró-europeu, essencial nos tempos atuais.

São boas notícias quando, do outro lado do canal, David Frost, o ministro britânico do Brexit, veio mais uma vez renegar o acordo assinado e reabrir o Protocolo da Irlanda do Norte, ameaçando com a tomada unilateral de decisões invocando o seu artigo 16, que o prevê caso origine problemas económicos ou sociais graves ou perturbações nas trocas comerciais – é matar pai e mãe e dar como atenuante ser órfão.

Viver perigosamente está a tornar-se o dia a dia com o governo de Boris Johnson, sempre a esticar a corda. É duvidoso que Frost aceite a proposta de solução da Comissão, e seguro que não aceitará que a resolução de um eventual conflito passe pelo Tribunal Europeu.

Mais uma cedência da União Europeia não irá resolver nada, apenas começará a contagem de tempo para o próximo sarilho que os ingleses nos arranjarão. A única questão é quantas vezes terá o cântaro que ir à fonte até a asa lá ficar.

Seria bom que a resposta da União fosse unida, passe o pleonasmo, mas mais uma brecha surge no interior, e uma de enorme importância a que a resposta é essencial, até por não ser ato isolado: dia 7 a Polónia pôs em causa a prevalência da lei europeia sobre as leis nacionais, o que, se aceite, transformaria as regras sobre as quais funcionamos numa manta de retalhos.

Três dias depois cem mil pessoas manifestaram-se em Varsóvia com bandeiras da União a cantar we are staying. O problema não se põe em termos de Polexit, põe-se sim em termos de como tratar uma nação que quer viver fora das regras comuns, beneficiando do que a favorece e recusando-se a cumprir o que não lhe agrada. Nem a Hungria tinha chegado a este patamar. Pior, isto dá razão aos que questionaram a “precipitação” com que se fecharam os últimos alargamentos. Depressa e bem pode quem.

Agora, a resposta tem que ser rápida e firme, senão é estopa em que o fogo alastra rapidamente.