[weglot_switcher]

Andrea Nahles, uma esquerdista à frente dos social-democratas alemães

Tem nas mãos dois enfermos: o SPD, que tem de retirar do perigo da irrelevância, e a grande coligação com Merkel, que já teve melhores dias – ou não fosse uma espécie de mal menor ao fim de quase um ano de experimentalismos.
24 Abril 2018, 07h35

Quando Andrea Nahles, a nova líder do partido social-democrata alemão (o SPD), nasceu, em 20 de junho de 1970, a atual chanceler germânica, Angela Merkel, estava prestes a fazer 16 anos e ainda era apenas a filha de um pastor protestante que vivia na República Democrática da Alemanha (RDA), país que a voragem da história criou e fez desaparecer em pouco mais de 40 anos. Enquanto Nahles aprendia as primeiras letras, Merkel deliciava-se com Tolstoi e Dostoiévsky, que conseguia ler no original e construía o sonho de saltar para dentro do Transiberiano e viajar entre Moscovo e Vladivostok.

Quase 50 anos depois, as duas mulheres encontram-se frente-a-frente – para já do mesmo lado político, uma vez que lideram os dois maiores partidos da grande coligação que lidera o país – e tendo em vista algumas tarefas em tudo semelhantes. Tanto Andrea Nahles como Angela Merkel estão à frente dos seus partidos num momento particularmente delicado: a social-democrata tentando colar os cacos das eleições de setembro, onde o SPD não só teve um mau resultado, como acabou por perder o seu presidente, Martin Schulz – regressado de Estrasburgo na convicção de que iria ser o chanceler que se seguia; a democrata-cristã precisa de fazer mais ou menos a mesma coisa, depois de ter tido resultados igualmente sofríveis nas mesmas eleições e ter demorado vários meses até conseguir formar um governo, para espanto dos alemães e consternação da Comissão Europeia.

Deste ponto de vista, Andrea Nahles é considerada por alguns observadores como uma líder a prazo: apesar de ter sido eleita com mais de 66% dos votos no passado domingo, a nova presidente é considerada demasiado à esquerda para o gosto pouco flexível dos social-democratas germânicos. Antes de ingressar no SPD, Nahles foi líder da juventude do partido, aliás como Schulz – mas, ao contrário do que é costume, a juventude do SPD alinha muito pouco pelo partido sénior, com muitos dos seus membros a aproximarem-se perigosamente do radicalismo (como sucedeu, para mal dos pecados de alguns, nas décadas de 70 e 80 do século passado).

Mesmo depois de ter entrado para os ‘grandes’ do SPD, Andrea Nahles não desarmou: em 2000, três anos depois de ter deixado a juventude do SPD, foi um dos fundadores do ‘Forum Demokratische Linke 21’ (Fórum da Esquerda Democrática 21), que muitas vezes se opôs ativamente às políticas (principalmente as económicas) de Gerhard Schröder, chanceler entre 1998 e 2005 pelo… SPD.

O partido nunca se esqueceria disso, e a sua ascensão à liderança do SPD foi fortemente criticada pelas alas (que são muitas) mais à direita dentro da própria organização, que se questiona de que forma é que uma mulher tão à esquerda de Merkel poderá transmitir sustentabilidade à grande coligação – que a extrema-direita a debutar no Bundestag não deixará de ‘cavalgar’ até conseguir elevar o assunto à categoria de problema nacional. Já agora, recorde-se que, entre outras políticas que sempre a afastaram dos setores moderados do SPD, Andrea Nahles foi contra a coligação com a CDU em 2005.

Em 2009, Andrea Nahles conseguiu chegar ao lugar de secretária-geral do SPD – o que os críticos consideraram ser uma clara viragem à esquerda dos social-democratas, trabalhando diretamente com o líder Sigmar Gabriel (que se afastou em 2017 para dar lugar a Schulz).

Em 2013 acabaria por ser nomeada ministra do Trabalho e dos Assuntos Sociais – circunstância que valeu fortes dores de cabeça à chanceler: Nahles lutou pela introdução da figura do salário mínimo nacional na Alemanha (garantindo aos trabalhadores pelo menos 8,50 euros por hora), depois de Merkel ter feito campanha contra semelhante coisa, dizendo que isso ameaçaria a vantagem competitiva da Alemanha e que a fixação de salários pertencia às empresas.

Nahles esteve por trás de uma série de leis que ampliavam os direitos sociais dos trabalhadores alemães – nomeadamente no que tem a ver com reformas – com os seus detratores a acusarem-na de ter feito crescer desmesuradamente a despesa do Estado.

Católica Romana – coisa que também a separa da protestante Merkel – divorciada e mãe de uma filha, Andrea Nahles tem por isso pela frente a responsabilidade de transmitir alguma saúde a uma coligação que já teve melhores dias e a um partido que pode ter aprendido que quanto mais ruma ao contro (onde está a CDU) mais corre o risco de se tornar irrelevante.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.