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Angola: cerco real à corrupção ou arma eleitoral?

João Lourenço, escolhido pelo MPLA para suceder a José Eduardo dos Santos, trouxe promessas sobre o combate à corrupção para a pré-campanha eleitoral. Os analistas dizem que é uma tentativa de mostrar a renovação do regime.
25 Fevereiro 2017, 09h00

A corrupção em si não é o problema, afeta todos os países, mas em Angola o problema é a “forma” de combate a esse fenómeno, sublinhou o general João Lourenço, cabeça-de-lista do MPLA para as eleições deste ano e provável sucessor de José Eduardo dos Santos na presidência.

A problemática da corrupção é inevitável na análise política e económica de Angola. Durante a segunda metade dos seus quase 38 anos no poder – ou seja, na fase em que Angola passou de uma economia marxista para uma de mercado – Eduardo dos Santos prometeu regularmente reforçar o combate à corrupção.

Os críticos do presidente, incluindo organizações não-governamentais (ONG) internacionais, concluem, no entanto, que as promessas nunca foram cumpridas e que o país continua a ser um dos mais corruptos do mundo.

Segundo o Índice de Perceção de Corrupção da Transparency International, uma ONG criada há 27 anos para combater a corrupção, Angola era em 2016 o 14º país mais corrupto, ocupando o lugar 164 numa lista de 176 países e territórios, tendo descido um lugar na classificação face ao ano anterior.

Em termos do score, medido numa escala de 0 (muito corrupto a 100 (muito íntegro), Angola teve 18 pontos, acima dos 15 pontos do ano anterior, mas abaixo dos 22 pontos registados em 2012, ano das últimas eleições no país.

Com um novo ciclo político prestes a ser iniciado, os olhos vão estar postos nas promessas de João Lourenço no combate à cultura de ‘gasosa’ num dos maiores países produtores de petróleo em África. O general admitiu, no sábado passado, que a corrupção é um “mal que corrói a sociedade”, prometendo apertar o cerco ao fenómeno, pois “não podemos aceitar a impunidade perante a corrupção”.

O discurso de Lourenço foi aplaudido por 100 mil apoiantes no Lubango, num comício que pode ser visto como um tiro de partida para a pré-campanha eleitoral, após ter sido nomeado pelo Comité Central do MPLA a 3 de fevereiro.
“As declarações de João Lourenço devem ser lidas no contexto de uma campanha eleitoral que se antevê complicada para o MPLA”, sublinha Paulo Guilherme, editor do Africa Monitor, que presta serviços de análise estratégica.

Ambiente adverso
O MPLA esmagou a oposição nas últimas duas eleições, colhendo mais de 80% dos votos em 2008 e mais de 70% em 2012. Guilherme explica que, apesar de manter o “poder hegemónico” que foi determinante nessas votações, o MPLA enfrenta agora uma campanha mais difícil: “Diria mesmo que nunca enfrentou um ambiente tão adverso numas eleições”.

Os últimos três anos foram duros para Angola, com o tombo no preço do petróleo em 2014 a desencadear uma crise económica e financeira que teve impactos profundos no desemprego, nos atrasos de salários e na escalada da inflação, piorando as condições de vida da maioria da população.

Segundo Paulo Guilherme, a insatisfação causada na população “é agravada pela noção generalizada de que as receitas petrolíferas dos últimos anos foram desbaratadas  ou desviadas pelas elites para seu próprio usufruto. E a elite é o MPLA, no sentimento coletivo da população”.

O analista recorda que o partido que está à frente do país desde a independência, em 1975, num regime altamente centralizado na figura do presidente José Eduardo dos Santos, da sua família e nos seus mais fiéis. “Uma enorme clientela, alimentada direta ou indiretamente, de forma mais ou menos lícita, pelo Orçamento do Estado – também no passado pela Sonangol, enquanto jorrava o dinheiro do petróleo”, explica.

Guilherme realça que José Eduardo dos Santos criou, de forma inteligente, uma ideia de ‘renovação’ ao ceder o lugar ao seu ministro da Defesa e vice no partido, João Lourenço. “Ao abordar a questão da corrupção, Lourenço pretende justamente reforçar a mensagem da renovação e da correção dos erros do passado”.

“Se poderá ou conseguirá fazê-lo é algo que só poderemos aferir com segurança quando for clara a sua capacidade para exercer os poderes presidenciais livre de interferências”, questiona. Guilherme recorda que Eduardo dos Santos ainda vai ficar à frente do partido durante, pelo menos, um ano após deixar a presidência, e que a sua filha Isabel lidera a petrolífera estatal Sonangol e o filho José Filomeno é chairman do Fundo Soberano, duas das instituições mais poderosas na economia angolana.

Tomar a dianteira
Para já, João Lourenço avisa que tem de haver uma atitude corajosa, primeiro dos líderes e depois toda a sociedade, para combater a corrupção. Num tom mais leve, adiantou que “se conseguirmos combater a corrupção, até os corruptos vão ganhar com isso”.

Num apelo claro aos eleitores, vincou: “Que sejamos nós, que não seja a oposição, a tomar a dianteira no combate a este mal”. A UNITA, antigo inimiga do MPLA na guerra civil e principal partido da oposição desde 2002, reagiu em comunicado, dizendo que “o partido que trouxe a crise já não tem soluções governativas para estancar a gangrena da corrupção”, e que só uma mudança de regime poderá resolver o problema.

Tal como no índice de perceção da corrupção, Angola também está no patamar mais baixo do ranking Doing Business do Banco Mundial, que mede a facilidade de fazer negócios e analisa o ambiente regulatório. Dos 190 países no estudo este ano, Angola ocupa o posto 182, com uma nota de 38,4%.

Markus Weimer, diretor de assuntos africanos na consultora norte-americana Horizon Client Access, salienta a urgência de Angola cortar cortar os níveis de corrupção na economia. “João Lourenço tem sido bastante vocal sobre a ambição em lutar contra a corrupção. [Ter] sucesso neste campo é importante para melhorar o ambiente de negócios”, refere.

Adianta que “isso, por seu turno, é essencial para diversificar a economia. Esse processo pode até ser acelerado com a crise económica, devido ao corte da produção e às receitas do petróleo, pois aumenta a pressão para explorar outros setores fora do crude”. No entanto, este especialista em risco político e governance diz que, para os investidores e operadores em Angola, os fatores mais importantes são a estabilidade política e uma transição suave do poder este ano.

Para João Lourenço, candidato do partido cujo lema principal durante a guerra era “a luta continua, a vitória é certa”, o objetivo passa também por assegurar a continuidade através das urnas.

“Precisamos de ganhar as eleições. Temos a vitória nas nossas mãos, não a deixemos fugir”, concluiu o general.

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