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Angola: Será o fim do reinado de José Eduardo dos Santos o início de uma nova era?

Conhecido pelo povo como “Zedu”, José Eduardo dos Santos vai deixar a presidência em agosto. É o segundo presidente com mais tempo no poder em todo o mundo, apenas ultrapassado pelo ditador Teodoro Obiang. Sucede-lhe João Lourenço, profundo conhecedor do aparelho partidário e das forças armadas.
  • Herculano Coroado/REUTERS
5 Fevereiro 2017, 11h12

Depois de 38 anos no poder, o presidente de Angola, José Eduardo dos Santos veio esta sexta-feira, dia 3, confirmar finalmente os rumores que se vinham a levantar desde dezembro do ano passado. O líder angolano não será candidato às eleições gerais de agosto.

Por seu turno, João Lourenço, vice-presidente do MPLA e atual ministro da Defesa, por indicação de José Eduardo dos Santos, vai encabeçar a lista do partido às eleições. Sem uma oposição com força eleitoral capaz de derrubar o MPLA – a menos que haja uma grande surpresa na votação – João Lourenço deve tornar-se o próximo presidente do país.

Mas o que se pode esperar desta “dança de cadeiras”? Representará a saída de José Eduardo dos Santos o início de uma nova era num país assolado por uma forte crise económica e onde a corrupção e o tráfico de influências são males endémicos? Ou será esta uma mudança na continuidade?

 

A monarquia de “Zedu”

Depois de iniciado o processo de descolonização do país, que durante cinco séculos esteve dependente do domínio português, Angola conheceu apenas dois presidentes: Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos. O fundador da nação angolana e líder carismático do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), Agostinho Neto, haveria de governar apenas quatro anos. Sucedeu-lhe em 1979, o discreto mas perspicaz “Zedu”.

Sob uma democracia instável e um país conturbado pela guerra civil, que se arrastou até 2002, José Eduardo dos Santos foi consolidando de forma cada vez mais absoluta e repressiva o seu poder e influência.

Depois do assassinato do líder do maior partido da oposição, Jonas Savimbi, e do consequente cessar-fogo, Dos Santos focou-se na reconstrução do país. Durante os anos que se seguiram o país registou um alucinante crescimento económico centrado na exploração de petróleo e jazidas de diamantes, tornando-se a terceira maior economia africana, a seguir à Nigéria e à África do Sul. À frente desses setores-chave, José Eduardo dos Santos colocou uma elite da sua íntima confiança, que se iria revelar fundamental para a longevidade do seu mandato.

Nas eleições de 2008, venceria com uma esmagadora vitória de 81,64% dos votos, equivalentes a 191 dos 220 assentos na Assembleia Nacional unicameral.

Depois de assinada a Constituição de 2010, foi abolido o cargo de primeiro-ministro, ocupado então por António Paulo Kassoma, deixando nas mãos de “Zedu” o poder legislativo e executivo. Com um sistema judicial precário – existem apenas 22 tribunais em 163 municípios – José Eduardo dos Santos tornou-se dono e senhor de Angola.

 

A contestação ao regime

O crescimento imparável da economia angolana conheceu em 2014 um revés, com a quebra do preço do petróleo. A dependência financeira do ouro negro traduziu-se num declino sem precedentes no Produto Interno Bruto (PIB) e numa desvalorização de 40% do kwanza face ao dólar, ao mesmo tempo que a inflação avançou a um ritmo galopante.

A recessão económica veio acentuar ainda mais as desigualdades sociais gritantes. Por todo o país as manifestações pacíficas começaram a ganhar folgo, mas a repressão não tardou a fazer-se sentir. Vários ativistas foram acusados de estar a preparar um golpe de Estado para depor o presidente e foram presos preventivamente.

O caso mais mediático foi o de Luaty Beirão, que despertou as atenções para a revolta angolana contra aqueles que movidos pelo desejo de independência e igualdade acabaram por tornar-se naqueles que enriqueceram à custa da guerra e restringiram as oportunidades a quem não integrava o círculo íntimo do Governo.

Estima-se que 32 mil milhões de euros tenham sido desviados por ano para alimentar o grupo de amigos de José Eduardo dos Santos, através da Sonangol, a petrolífera estatal, controlada diretamente pelo presidente. Longe de ser uma empresa normal, a Sonangol serviu de “máquina de arrecadação” de fundos do governo angolano, cuja tutela “Zedu” nunca dispensou, nem para o Ministério do Petróleo, nem para o Ministério das Finanças.

 

O fim do reinado do presidente eterno?

À imagem desgastada veio juntar-se o débil estado de saúde e a idade avançada (faz 75 anos em agosto). Através de uma alteração à constituição, José Eduardo dos Santos poderia prolongar o seu mandato não só até ao final de 2017, como poderia ainda concorrer ao Palácio presidencial para um outro mandato, até 2022, altura em que teria 80 anos. Mas “Zedu” parece não estar disposto a isso.

Tantas vezes especulado e tantas vezes desmentido, o estado de saúde foi o motivo apresentado pelo próprio diante dos militantes do MPLA que insistiam na eternização do presidente à frente dos comandos de Angola. “Estou doente, já tenho o meu candidato e agora vocês que apresentem outros candidatos”, disse.

Ora o candidato indicado por José Eduardo dos Santos é o vice-presidente do MPLA e atual ministro da Defesa, João Lourenço. Descrito como um profundo conhecedor do aparelho partidário e das forças armadas, o designado sucessor reúne consenso dentro do partido. Bornito de Sousa, nomeado número dois na lista do MPLA, concorre à vice-presidência.

A Constituição angolana prevê que o número um da lista mais votada nas eleições gerais seja automaticamente nomeado Presidente da República. Embora haja cinco partidos representados na Assembleia Nacional, nenhum deles parece ter peso suficiente para ultrapassar o MLPA na corrida às eleições. O mais certo é que João Lourenço venha mesmo a tornar-se o próximo presidente de Angola.

Mas há um pormenor interessante na jogada. Embora tenha assumido que não se candidatará às eleições de agosto, “Zedu” manter-se-á à frente do MPLA pelo menos durante um ano, para assegurar que a transição é feita da melhor maneira possível e segue o legado por ele deixado.

Esta herança política será também controlada de perto pelos seus familiares mais próximos que ocupam lugares estratégicos, sobretudo na estrutura económica do país. Na Sonangol, que irá definir o futuro imediato de Angola, a filha mais velha do presidente tem um papel ativo na reestruturação da petrolífera. Também o filho, José Filomeno dos Santos, que está à frente do Fundo Soberano nacional, assume um cargo fundamental na gestão de tesouraria e aplicações financeiras.

Numa altura em que a comunidade internacional e os grandes bancos se recusam a emprestar mais dinheiro ao país, eles terão um papel preponderante e o último voto na matéria governativa.

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