O historiador Jean-Michel Mabeko-Tali afirmou, numa entrevista concedida ao jornalista João de Almeida, no seu podcastPonto Parágrafo”, que Angola tem dificuldade em escrever o seu romance nacional.

Esta frase vinda de um historiador pode parecer um paradoxo, já que estamos acostumados a associar um historiador ao estudo dos acontecimentos passados. No entanto, a frase contém uma síntese analítica da impossibilidade histórica-política de Angola, i.e, a insuficiência de concretizar um país que possa garantir a dignidade dos seus cidadãos e projectar-se como nação coesa e forte.

Os grandes povos inscrevem, muitas vezes, os seus sonhos e desígnios históricos a partir dos seus escritores, mais do que dos seus actores políticos. Quando um povo não consegue imaginar-se no tempo, tal significa que não tem horizonte ou projecção temporal para além do presente.

Neste contexto, o discurso político ganha um valor profético e milagroso de tudo realizar para assegurar o futuro da sua comunidade, sem compreender a complexidade da natureza humana, os paradoxos sociais e a tensão política de cada proposta político-partidária. Assim, em cada acto eleitoral, os angolanos procuram mais um messias do que a construção de um futuro político por realização colectiva.

Os políticos angolanos instrumentalizam essa necessidade colectiva, apresentando-se como os salvador(es) dos problemas do país. Constroem a ilusão colectiva de que têm as soluções milagrosas para os problemas sociais, económicos e políticos, e que em caso de vitória haverá, pois, o caminho até ao olímpio. Neste exercício político, que é, normalmente, veiculado através de retórica e oratória, tudo parece fácil e possível, sem espaço para nenhuma interrogação das condicionantes e dos limites da acção política.

Este exercício de profecia política será mais intenso, tenso e constante no ano da quinta eleição da História de Angola. Neste sentido, as questões complexas serão simplesmente ignoradas e colocadas à margem de uma discussão sobre o projecto do grande romance nacional. Com isto, a celebração de um pacto político-social não ocorrerá, podendo criar os pilares estruturantes para uma agenda política de longo prazo.

Enquanto se adia o romance nacional, Angola consagra-se como uma realidade surrealista marcada por uma tragédia-comédia de muita baixa qualidade artística e composta por personagens medíocres, sem substância artística, mas, com um protagonismo mediático elevado. São, precisamente, essas personagens com comportamentos pitorescos e risíveis que tomaram conta do destino do país, sem emergir um discurso realística ou consciente dos grandes problemas nacionais.

Como cura da nossa tragédia colectiva, os angolanos adoptaram uma reacção ao nosso estado de “loucura colectiva” – o riso da sua própria condição social, política e económica, desenvolvida com recurso a um humor jocoso, sarcástico e ofensivo, por vezes. Por exemplo, a sátira política de todas as sextas-feiras de Sérgio Piçarra mostra um pouco do que é ser angolano.

Outros cidadãos adoptaram o slogan: “a nossa geração não pode falhar”. Significa que a sua geração de activistas deve lutar para retirar o MPLA do poder.

Esta geração de activistas tem uma utopia à luta pelo poder, negligenciando que a história pela luta pelo poder em Angola tem causado mais feridas políticas e exclusão do que inclusão política das diferentes subjectividades políticas angolanas. Enquanto a luta pelo poder de dominar todos os espectros da vida da pólis continuar, não haverá espaço para o grande romance nacional, porque o poder quer apresentar-se como o “salvador” da nação.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.