1. Passaram quase dois meses desde aquele fatídico dia 18 de junho em que o automóvel em que seguia o ministro Eduardo Cabrita, de viagem de Portalegre para Lisboa, na A6, matou um cidadão português de 43 anos, funcionário de uma empresa que realizava trabalhos de manutenção da via.

Vários inquéritos foram imediatamente anunciados, um pelo Ministério Público, através do DIAP de Évora; outro pela GNR; outro pelo INEM; e outro, ainda, pelo Ministério da Administração Interna (MAI).

Um carro, uma vítima, um motorista, um ministro. E passado todo este tempo os vários inquéritos ainda continuam, simétrica e convenientemente, em segredo de Justiça.

Devo confessar que para algo tão simples como fazer uma autópsia, investigar os dados da velocidade do veículo entretanto levado para parte incerta, ouvir as testemunhas, mais o motorista e o ministro, me parece um tempo excessivo.

2. Em qualquer parte do mundo civilizado já teríamos sido informados da velocidade a que seguia o veículo (mais de 200 km/hora segundo testemunhas). Mas, por enquanto, e também convenientemente, só sabemos que a vítima teria tentado passar do separador central, onde decorriam os trabalhos, atravessando um dos dois sentidos da autoestrada.

Perdão, sabemos ainda duas outras coisas: que o ministro Eduardo Cabrita nunca saiu do carro no local do acidente (nem o motorista); e que também não foi capaz de ligar à família da vítima.

Como retrato da personalidade do homem que é ministro não poderíamos pedir melhor.

3. A questão é simples e vai muito para além da longevidade política de um ministro que já esgotou todos os prazos de validade.

Primeiro: a que velocidade o automóvel matou o homem, independentemente dos erros que o trabalhador possa ter cometido na sua circulação?

Segundo, se ia em excesso de velocidade, o motorista cumpria ordens ou circulava fora da lei com um ministro em silêncio?

Eu não quero saber das consequências políticas e por quanto tempo mais o primeiro-ministro António Costa vai impor ao país o amigo de longa data com várias provas de incompetência já transitadas em julgado.

Aquilo que temos todos o direito a saber é se foi cometido algum crime e, nesse caso, quem são os responsáveis.

Pergunta/interrogação: se o carro fosse conduzido por um qualquer cidadão que não estivesse debaixo do guarda-chuva do poder, esse condutor não teria sido imediatamente detido?

4. O pior que pode acontecer no âmbito deste dossiê é começar a alastrar a dúvida sobre se estes inquéritos todos não estarão reféns do calendário político, de uma remodelação que António Costa já disse que não faria mas que se murmura poder acontecer depois das autárquicas e na qual o amigo Eduardo Cabrita seria embalado em boa companhia.

Este caso é grave porque pode ser mais um episódio da forma de funcionamento do Poder que há pouco tempo nomeou o seu Procurador Europeu da forma que vimos, e que substituiu a PGR ou o presidente do Tribunal de Contas ignorando méritos e protestando um cumprimento formal de regras e prazos.

Dois meses é demasiado para esta angustiante dúvida sobre se vivemos numa democracia plena, em que todos os cidadãos são iguais perante a Lei, ou se vivemos de facto num país que começa a parecer-se demasiado com a Polónia e a Hungria. Acredito que não preciso de explicar porquê.