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Antigo primeiro-ministro de Cabo Verde critica “neoliberalismo desenfreado” do Governo

O ex-primeiro-ministro de Cabo Verde José Maria Neves mostrou-se hoje preocupado com a tendência de entrega de setores estratégicos do país, como o transporte aéreo, a empresas estrangeiras, alertando para os riscos do “neoliberalismo desenfreado”.
16 Abril 2018, 08h09

“Para um país pequeno, frágil como Cabo Verde há determinadas questões que devem ser mais ponderadas. Em Cabo Verde, o neoliberalismo desenfreado não leva a bons resultados. Temos é de ter o Estado suficiente e necessário para catalisar o processo global de desenvolvimento”, defendeu José Maria Neves.

Em entrevista à agência Lusa, a propósito do primeiro aniversário da Fundação com o seu nome, o ex-primeiro-ministro questiona algumas das medidas tomadas pelo atual Executivo do Movimento para a Democracia (MpD), considerando que “mereceriam mais ponderação, consenso e transparência”.

Para José Maria Neves, o caso da reestruturação da empresa pública de transportes aéreos (TACV) é paradigmático da falta “cautelas redobradas” na gestão do património público.

O Governo cabo-verdiano tem em curso a reestruturação da TACV com vista à sua privatização, tendo fechado a operação dos voos entre ilhas, que entregou à Binter Cabo Verde, e assinado um contrato de gestão para a operação internacional com a empresa da Islândia Icelandair, que deverá ser o parceiro para a privatização.

José Maria Neves admite que qualquer que fosse o Governo saído das eleições de 2016, a situação da empresa, que acumula mais de 100 milhões de euros de passivo, era insustentável e teria de ser reestruturada.

Considerou, no entanto, “um erro estratégico de fundo” a entrega do mercado doméstico e regional à Binter CV, detida pela Binter Canárias, considerando que acabou com a vantagem competitiva de Cabo Verde relativamente ao mercado da Comunidade de Estados da África Ocidental (CEDEAO).

“A grande vantagem competitiva de Cabo Verde em relação as Canárias era o facto de sermos membros da CEDEAO. A estratégia de Espanha em transformar as Canárias numa plataforma de negócios na região africana é a mesma estratégia de Cabo Verde. A grande questão estratégica das Canárias era poder estabelecer uma ligação com a região. A TACV já tinha a ligação com Dacar (Senegal) e com Bissau (Guiné-Bissau), podia fazer esses voos regionais que eram estratégicos para Cabo Verde”, lembrou.

Mas, prosseguiu Neves, “logo à primeira, este Governo desestruturou a TACV nacional e entregou os voos entre as ilhas e regionais à Binter, que claramente vem aqui para implementar a estratégia das Canárias, eliminado a vantagem comparativa que Cabo Verde tinha”.

José Maria Neves adiantou que o cenário de separação das operações nacional e internacional da TACV já “estava sobre a mesa” com o seu Governo e que só não avançou por o processo ter ficado concluído num ano pré-eleitoral

“O que não estava sobre a mesa era a extinção da TACV nacional e a sua entrega em regime de monopólio a outra empresa. Não estava sobre a mesa também a ideia peregrina de passar a base dos TACV para ilha do Sal, abandonando os outros aeroportos internacionais”, disse.

Para Neves, a ideia do “hub” do Sal fazia sentido quando não existiam os restantes aeroportos internacionais. Com quatro aeroportos internacionais, o ex-primeiro-ministro considera que a ideia de “hub” deve ser aplicada a todo o país.

“Devíamos era trabalhar para que um número cada vez maior de pessoas viesse a cabo verde, para turismo, para fazer transito, usando qualquer um dos quatro aeroportos internacionais e nunca a TACV devia sair do mercado da diáspora”, disse.

Além dos transportes aéreos, o Executivo cabo-verdiano tem em curso um concurso internacional para a concessão do transporte marítimo entre ilhas, e prevê entregar também a privados a gestão dos porto e aeroportos, bem como privatizar a empresa de eletricidade, entre outras companhias públicas.

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