António Costa, as Primárias…e o PSD!

Não sei se António Costa vai ou não vencer as eleições legislativas deste ano. Muito menos se, a conseguir, o fará com maioria absoluta ou maioria relativa. O que me parece incontornável, enquanto analista, é sublinhar a importância que o processo das eleições primárias aportou à democracia em Portugal. Cidadãos alheios às tradicionais jogadas de […]

Não sei se António Costa vai ou não vencer as eleições legislativas deste ano. Muito menos se, a conseguir, o fará com maioria absoluta ou maioria relativa. O que me parece incontornável, enquanto analista, é sublinhar a importância que o processo das eleições primárias aportou à democracia em Portugal. Cidadãos alheios às tradicionais jogadas de bastidores do Largo do Rato, indiferentes às lutas fratricidas que povoam as distritais e as concelhias, incólumes aos dislates frequentes dos pequenos dirigentes locais, que ainda assim decidem participar, em nome da sua consciência, na vida política de um dos maiores partidos portugueses. Goste-se ou não, trata-se de um significativo passo no aprofundamento da democracia.

António Costa enfrenta agora um desafio maior, porque começa a tocar no poder instalado e sobretudo no poder que o suportou e apoiou ao longo deste processo: os deputados à Assembleia da República do seu próprio partido. Alargar ou não as primárias à escolha de deputados, eis a questão!

A luta é titânica e poderá, já no curto prazo, deixar marcas profundas no Partido Socialista. Os lugares de deputado são, muitas vezes, moedas de troca de favores eleitorais prestados nas corridas às distritais, às concelhias, ou simplesmente de apoios mediáticos apresentados nos lugares ou nos canais relevantes. E, no entanto, mexer nisso é tocar num dos pontos mais importantes do combate à degradação e ao obscurantismo da vida política em Portugal.

Neste momento, Costa tem de tomar uma decisão fundamental, não obstante as divisões já verificadas na Comissão Nacional: ou aceita alargar o processo das primárias para a escolha dos representantes na Nação e arrisca-se a um grupo parlamentar muito heterogéneo e a lutas internas insuperáveis ou volta a fechar o partido e, tal como já tenho dito, assistiremos de novo, nestas legislativas à explosão de pequenos partidos, movimentos e grupúsculos que canalizarão o descontentamento e a profunda deceção dos portugueses com o sistema politico atual.

Abrir verdadeiramente o sistema partidário à participação dos cidadãos é um desafio fundamental, que não se basta com a eleição de um líder que as pessoas, ainda assim, sentem distante e alheado dos seus problemas concretos. Permitir que as escolhas recaiam sobre aquele que será o seu representante, a sua escolha concreta ao órgão democrático por excelência que é a Assembleia da República, isso sim, será abrir o sistema político aos cidadãos. Será não ter medo dos portugueses e do seu sábio juízo.

Deixo aqui, também, este importante desafio ao PSD. Não obstante os problemas atuais da governação que devem, naturalmente, concentrar a atenção dos dirigentes laranja, evitar o afastamento dos cidadãos ou a implosão do sistema político-partidário é uma obrigação e um dever daqueles que nos representam.

É fundamental que os milhões de social-democratas portugueses possam igualmente participar, como os seus congéneres socialistas, na vida e nas escolhas fundamentais do partido. Seja Passos Coelho, Rui Rio, Miguel Macedo, Jorge Bacelar Gouveia ou Aguiar Branco, o PSD não pode deixar passar o extraordinário desafio histórico que enfrentamos.

A história – e sobretudo os portugueses – não perdoarão aqueles que, a pensar nos seus interesses mesquinhos, se fechem nas suas insignificantes casernas.

André Ventura

Jurista/Professor Universitário

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