Teletrabalho é, sem dúvida, uma das palavras do ano de 2021. Se antes da pandemia, em Portugal, a percentagem de trabalhadores que exerciam as suas funções em regime de teletrabalho era pouco expressiva , nos anos de 2020 e 2021 o regime generalizou-se – por obrigatoriedade e determinação governamental, em determinados períodos, ou por opção de empresas e trabalhadores, noutros.

Se o conceito de teletrabalho não reveste especial complexidade – trata-se, em geral, da prestação de trabalho habitualmente fora da empresa, através do recurso a tecnologias de informação e comunicação –, a verdade é que o teletrabalho reveste múltiplas dimensões cuja interação complexifica e potencia os impactos na esfera das empresas e dos trabalhadores.

Desde logo, é necessário atender à dimensão pessoal do teletrabalho. O teletrabalho implica uma reorganização profunda nas rotinas diárias de trabalhadores e famílias, e esbate as cada vez mais ténues fronteiras entre a vida pessoal e profissional. Nalguns casos, o impacto é positivo, pelo facto de os trabalhadores passarem menos tempo em transportes e deslocações, e dessa forma, poderem dedicar mais tempo a atividades de lazer, ou com família e amigos. Contudo, noutros casos, a sobrecarga de trabalho e a dificuldade em desconectar, aliada à inexistência de um espaço físico devidamente apetrechado para o exercício regular da atividade profissional fora do local habitual (designadamente, no domicílio do trabalhador), contribui para o aumento do stresse e para o surgimento de problemas de saúde física e psicológica (como a ansiedade e a depressão).

Estes dois pontos – o direito a desconectar e a disponibilidade de tecnologia e equipamentos – estão precisamente na base das modificações que entrarão em vigor em janeiro de 2022 ao Código do Trabalho, no que se refere ao dever de abstenção de contacto no período de descanso, bem como à disponibilização ao trabalhador dos equipamentos e sistemas necessários à realização do trabalho, devendo ser integralmente compensadas pelo empregador todas as despesas adicionais que, comprovadamente, o trabalhador suporte, incluindo os acréscimos de custos de energia e da rede instalada no local de trabalho (com todas as dificuldades inerentes à segregação do uso pessoal e profissional, como se refere adiante).

Ao nível da organização do trabalho, o teletrabalho coloca também desafios às lideranças, às quais é requerido um novo estilo de liderança, focada nos resultados ao invés da presença física, para além da necessidade de uma comunicação fluída e eficaz para ultrapassar os desafios e as incertezas diárias.

Uma outra dimensão do teletrabalho que importa considerar é a da tecnologia, aliada à segurança e privacidade dos dados. O teletrabalho, ainda que geralmente eficaz, acarreta riscos acrescidos de segurança e privacidade dos dados, para além de pressupor uma infraestrutura tecnológica que nem todos os países e/ou agregados familiares têm à sua disposição, o que acentua cada vez mais as desigualdades entre estes.

É igualmente importante considerar a dimensão financeira do teletrabalho. Em termos remuneratórios, os trabalhadores em regime de teletrabalho têm o direito a receber, no mínimo, a retribuição equivalente à que aufeririam em regime presencial, com a mesma categoria e função idêntica. Contudo, verifica-se que os trabalhadores em regime de teletrabalho incorrem em determinados gastos (por exemplo, energia e comunicações, sistemas e equipamentos tecnológicos) que habitualmente são incorridos pelo empregador, e que, se suportados pelos trabalhadores, diminuem efetivamente o seu rendimento líquido (razão pela qual a solução encontrada em Portugal passa por transferir essa responsabilidade para o empregador). Contudo, e a bem da verdade, os trabalhadores podem igualmente ver o seu rendimento líquido aumentado pelo facto de não suportarem quaisquer gastos com deslocações casa-trabalho (facto esse que não foi objeto de qualquer menção nas alterações introduzidas ao código do trabalho).

Na esfera das empresas, e apesar de o teletrabalho não ter tido em muitos casos um impacto negativo em termos de produtividade, o impacto financeiro decorrente das medidas acima indicadas poderá ser muito significativo, e muitas pequenas e médias empresas portuguesas poderão não ter estrutura financeira que permita acautelar estas responsabilidades financeiras acrescidas. A este acresce o impacto financeiro em determinados sectores, como o dos transportes e a restauração, pela diminuição das receitas.

Para além de tudo o que foi anteriormente exposto, importa ainda considerar a dimensão fiscal, quer na esfera da empresa, quer dos seus trabalhadores, sendo a complexidade fiscal acrescida, nos casos de teletrabalho em contexto internacional. Relativamente a este último aspeto, importa analisar quais as funções que serão desempenhadas pelo colaborador e, dependendo do caso, verificar se existe o risco de direção efetiva ou estabelecimento estável da entidade para a qual o colaborador está a trabalhar, no país onde este trabalha e reside (por exemplo, em Portugal).

Outro aspeto a considerar é o país onde são devidas as contribuições para a Segurança Social, já que o teletrabalho por regra não é abrangido pelas disposições dos Regulamentos Comunitários ou dos acordos multilaterais ou bilaterais em matéria de Segurança Social. Já em matéria de impostos sobre o rendimento, a residência fiscal, na generalidade dos casos, é determinada pela presença física do trabalhador, pelo que a mesma não é afetada pelos acordos de teletrabalho.

Relativamente às questões fiscais, em contexto de teletrabalho realizado em Portugal para entidades portuguesas, pelas modificações ao regime do teletrabalho que entrará em vigor em janeiro de 2022, as mesmas resultam (i) da problemática da definição e mensuração das despesas profissionais passíveis de compensação, nomeadamente no que se refere aos critérios de segregação do uso pessoal e profissional; (ii) da necessária articulação com o regime de dedutibilidade dos gastos previstos em sede de IRC, o qual faz depender a mesma da existência de fatura ou documento equivalente emitido em nome da empresa (o que poderá ser difícil no caso do acréscimo dos gastos de energia e rede); e (iii) de uma eventual aferição do aumento de despesas a efetuar nos anos de 2022 e seguintes que se encontrará necessariamente “enviesada” pelo facto de os trabalhadores já se encontrarem em teletrabalho desde marços de 2020; entre outras.

Em suma, o teletrabalho é uma realidade que veio para ficar, mas que dadas as suas múltiplas dimensões coloca desafios muito significativos a empresas e trabalhadores.