A devastação económica e social da atual pandemia deixou muitos em situação precária e incerta, tanto do lado dos trabalhadores como do lado das pequenas e médias empresas. Neste contexto, o Governo mantém a meta de atingir os 750 euros de salário mínimo nacional (SMN) até 2023, ao passo que a Europa visa uma maior harmonização de salários mínimos. Mas enquanto o aumento do SMN é visto como uma ferramenta promotora de uma remuneração digna durante uma crise social sem precedentes, irá também inevitavelmente aumentar os custos a empresas fragilizadas pelos confinamentos impostos.

O debate económico tem gerado pouco consenso em torno dos efeitos da imposição de um salário mínimo. Os críticos clássicos apontam-no como uma disrupção do mercado de trabalho, sacrificando emprego por um maior nível salarial. Empiricamente, os efeitos não são tão claros. Alguns estudos indicam que em situações em que a entidade empregadora tem um poder negocial desequilibrado a seu favor, a imposição de um salário mínimo assegura a compensação justa do trabalho. É o caso da Nova Jérsia na década de 90, que demonstrou que um aumento do salário mínimo em alguns casos pode até estimular a criação de emprego.

Em Portugal, a queda no desemprego entre 2015 e 2019 coincidiu com os sucessivos aumentos do SMN pelo atual Governo. No entanto, qualquer inferência causal necessita primeiro de ter em conta a conjetura económica vivida. Um estudo elaborado por economistas das Universidades do Minho e Coimbra conclui que os referidos aumentos do SMN contribuíram para uma destruição de emprego, apesar dos efeitos não terem sido necessariamente nefastos – o aumento dos custos salariais levou a uma limpeza de empresas zombie ineficientes e pouco produtivas, levando-as a sair do mercado e libertando mão-de-obra para ser empregue em empresas onde esta fosse mais produtiva.

A verdade é que um aumento do salário mínimo não tem o mesmo efeito no emprego sempre e em toda a parte, dependendo essencialmente do seu ponto de partida. Segundo o Eurostat, Portugal é o segundo país europeu em que o salário mínimo mais se aproxima do salário mediano – o rácio entre os dois é de 0,64 (o chamado Índice de Kaitz) face a uma média europeia de 0,54. Por outras palavras, Portugal apresenta um SMN comparativamente alto face aos seus níveis de produtividade e salariais.

Apesar de uma remuneração salarial mínima elevada ser uma escolha social perfeitamente válida, importa apurar quem ao certo sairia a perder com eventuais futuros aumentos do SMN. Do lado empregador, são as pequenas empresas que mais pagam o salário mínimo aos seus trabalhadores. São ainda os estabelecimentos de alojamento e restauração que mais têm pessoas empregadas a receber o SMN (32,5%). Ou seja, seriam precisamente as empresas que mais sofreram com a pandemia aquelas que mais seriam prejudicadas pelo custo acrescido de um aumento do SMN.

Ao contrário da limpeza de empresas zombie que se verificou entre 2015 e 2019, um atual aumento do SMN pode pôr em causa a viabilidade de empresas fragilizadas não por ineficiência própria, mas sim devido às restrições impostas em nome da saúde pública.

Na Europa, a pandemia veio reacender o debate em torno de uma maior harmonização da legislação salarial dentro da UE, que visa também combater a desvalorização dos salários como meio para ganhos de competitividade externa. Devido às enormes disparidades ainda existentes em termos de produtividade e custo de vida, um salário mínimo europeu torna-se incomportável.

Uma alternativa é indexar o salário mínimo ao salário mediano de cada país. A Confederação Europeia de Sindicatos sugere que este valor seja de 60% (correspondendo a um Índice de Kaitz de 0,6). Contraintuitivamente, um estudo do FMI conclui que esta proposta acentuaria as divergências salariais entre países europeus, contribuindo no entanto para atenuar os desequilíbrios de contas externas que há muito assombram a Europa e ameaçam a estabilidade do mercado comum.

No caso de Portugal, um Índice de Kaitz de 0,6 implicaria uma ligeira redução do SMN, a menos que o país conseguisse alcançar maiores níveis de produtividade que fizessem aumentar os demais salários. Aumentar o salário mínimo sem que a restante distribuição salarial acompanhe essa evolução amplifica o risco de esse aumento se traduzir numa queda no emprego. Um país em que o salário mínimo é 64% do salário mediano arrisca-se a não conseguir sustentar esse nível agora que os bons ventos deixaram de soprar.

Entre 2000 e 2018, o salário mínimo cresceu 3,2% ao ano, face aos ganhos de 2,6% anuais de produtividade do trabalho. O foco devia estar então primeiro em desbloquear um maior crescimento produtivo que expanda os salários em todos os níveis, e só depois em criar a legislação necessária para garantir legalmente que o SMN acompanhe essa evolução. Um SMN de 750 euros até 2023 é possível, mas para isso não basta vontade política para o impor – é preciso criar as condições económicas para o sustentar.

O artigo exposto resulta da parceria entre o Jornal Económico e o Nova Economics Club, o grupo de estudantes de Economia da Nova School of Business and Economics.