As duas cadeiras de António Costa

Quem ambiciona duas cadeiras em simultâneo acaba com frequência por não conseguir sentar-se em nenhuma delas. António Costa arrisca-se a experimentar na pele este velho ensinamento da política. Muitos portugueses – designadamente os habitantes de Lisboa – não lamentarão tal facto. Entendamo-nos: cada vez que fazem uma declaração formal, os dirigentes políticos estabelecem uma cláusula […]

Quem ambiciona duas cadeiras em simultâneo acaba com frequência por não conseguir sentar-se em nenhuma delas. António Costa arrisca-se a experimentar na pele este velho ensinamento da política. Muitos portugueses – designadamente os habitantes de Lisboa – não lamentarão tal facto.
Entendamo-nos: cada vez que fazem uma declaração formal, os dirigentes políticos estabelecem uma cláusula contratual não escrita com os cidadãos à qual se encontram veiculados a partir daí. Foi o que sucedeu com Costa, quando declarou a 7 de Junho de 2011 de forma inequívoca: “Não é possível acumular a liderança do PS e a presidência da Câmara Municipal de Lisboa.”
Não é possível? Ninguém diria isso, a avaliar pelo que acaba de garantir o número dois do município, Fernando Medina. Afinal, assegurou ele em entrevista ao Diário Económico, as funções de Costa na autarquia e no partido são conciliáveis. O líder socialista, diz o seu braço direito, “só deixará de ser presidente da Câmara quando for nomeado primeiro-ministro”.
A quem devemos dar mais crédito? Ao António Costa de 2011 ou ao Fernando Medina de 2015 que parece funcionar como porta-voz do primeiro? Será que o antigo presidente do Vitória de Guimarães Pimenta Machado inspira o líder do principal partido da oposição com aquela sua frase lapidar que transbordou dos bastidores do futebol para os mais diversos segmentos da nossa vida quotidiana? “O que hoje é verdade amanhã é mentira”, dizia ele. Quase poderia ser um lema de António Costa, o homem que tanto jura não ser acumulador de cargos como manda dizer que está disposto a acumulá-los sem sobressaltos de consciência.
Com a ambição de tudo querer, pode afinal tudo perder. Nove meses depois de ter tirado o tapete ao seu camarada de partido António José Seguro alegando que faria melhor que ele, a verdade é que ainda não conseguiu descolar nas intenções de voto. Isto enquanto aumenta a sua impopularidade em Lisboa, como demonstrou a recente marcha lenta de veículos em protesto pelas restrições à circulação automóvel decretadas pelo autarca.
O pior de tudo é a sensação que transmite de que a presidência do maior município do país pode ser exercida em part time. Como se os problemas não se fossem acumulando sem resolução na capital. Como se a câmara fosse afinal uma sala de espera enquanto não chegam outros desafios políticos. Como se Lisboa não merecesse dedicação exclusiva.

Mauro Xavier
Gestor

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