Alcançar uma maioria absoluta é quase uma exigência do nosso sistema político. Assente num base de legitimidade eleitoral que se reflete em número de deputados eleitos, a existência de uma maioria constitui uma garantia de paz política durante o período de uma legislatura.

Em todos os processos eleitorais se procura a obtenção de uma maioria. Num sistema de espírito pouco parlamentar, alcançar esse objetivo constitui a certeza de que opções anuais como o Orçamento do Estado ou documentos mais estruturais serão viabilizados e a governação apenas se condiciona pelo controlo presidencial mitigado, a conformidade constitucional e a estabilidade social mínima.

Em Portugal, a tradição parlamentar é frágil. Desde os primórdios do constitucionalismo que o caciquismo retratado no século XIX e a instabilidade partidária da I República, ou a autocracia do Estado Novo conduziram à menorização da função do Parlamento. O próprio poder legislativo iminentemente ligado à função parlamentar foi sendo substituído pelos governos e os parlamentos assumiram crescentemente uma função política de fiscalização.

E uma eventual proliferação de representações partidárias apenas irá dificultar o fortalecimento do seu papel político pela dificuldade em construir maiorias e alternativas dentro e fora do parlamento.

Fundado nestas fragilidades, o atual sistema de representação proporcional vocacionou o sistema para a busca de maiorias absolutas, quer de partido singular quer assentes em coligações pré e pós eleitorais, ou ainda fundadas em acordos de incidência parlamentar que garanta a aprovação dos instrumentos governativos essenciais.

A menorização parlamentar fica bem expressa nas campanhas eleitorais. Mais do que escolher deputados, escolhe-se um candidato a primeiro-ministro. O que nem sempre é um resultado seguro, como se viu na última eleição. E quando falha este sistema, o sistema entra em corrosão.

O abanão nas estruturas partidárias, nomeadamente nos partidos tradicionais, como já aconteceu no passado, rapidamente é reposto face à necessidade de construir alternativas que se alcançam apenas com a concretização de uma maioria.

Em legislaturas anteriores, maiorias singulares acabaram mal. E coligações eleitorais consagraram-se. A busca por maiorias absolutas de partido singular apresentam dificuldades em chegar ao fim de uma legislatura, porque tendem a perder-se em sentido de impunidade, impunibilidade, desgaste político e público.

O sistema político exige a construção de maiorias para garantir a governação estável. Mas a obtenção de um grande número de deputados que suportam um governo pode contribuir para a deriva política e a autocracia, mesmo em democracia. Devolver ao parlamento uma dimensão relevante da ação política constitui um objetivo e uma responsabilidade.

Os riscos de uma maioria de um só partido são significativos para a evolução política e para a estabilidade social. Os seus protagonistas sentem que os seus limites são elevados, o diálogo torna-se difícil e os impactos são complexos. A invocação de legitimidade eleitoral não é suficiente para justificar comportamentos e atitudes. Até porque as maiorias se corroem a si mesmas. Com prejuízo para todo o sistema.