Importa perceber quais as alterações qualitativas verificadas na política externa da Administração Biden relativamente à do seu antecessor, para lá do estilo truculento e histriónico deste.

Joe Biden manifestou repúdio pelo projeto de uma “America First”, e por aquilo que parecia ser uma nova era de isolacionismo, declarando a intenção de restaurar uma ordem multilateral liderada pelos EUA. Essa intenção refletiu-se no regresso aos Acordos do Clima de Paris (independentemente daquilo que tenciona fazer para o materializar) e à Organização Mundial da Saúde, e na assinatura, em março de 2021, da extensão do “New START” por cinco anos.

As diferenças terão ficado por aí. Na prática, as prioridades de Biden assemelham-se bastante às de Trump. Isso explica o facto de Biden não só não ter revertido a maioria das decisões de Trump, como de lhes ter dado continuidade. Isso é particularmente evidente no que respeita às relações dos EUA com a China.

Joe Biden foi mais longe do que Trump revitalizando, em março de 2021, o Quad, adicionando-lhe uma componente securitária, e criando, em setembro de 2021, um pacto de defesa (AUKUS), uma aliança de facto, com potências do Indo-Pacífico, iniciativas orientadas para confrontar militarmente a China.

As semelhanças das políticas alargam-se às relações comerciais com a China, e com a Europa. A Administração Biden manteve as taxas alfandegárias impostas por Trump à importação de aço e alumínio da Europa, em 2018, recorrendo igualmente ao argumento de se tratar de um assunto de segurança nacional. Ao mesmo tempo que as importações americanas de crude e produtos derivados do petróleo russo atingiam os valores mais altos de sempre, Biden opunha-se à finalização do Nord Stream 2, sendo forçado pela Chanceler Angela Merkel a ceder nas suas exigências.

No que respeita às relações com Cuba e às políticas de imigração e de fronteira, a Administração Biden também não introduziu novidades, nada que as diferencie do que foi feito no passado. O mesmo aconteceu relativamente ao acordo nuclear com o Irão. A Administração Biden procura renegociar um novo acordo, em vez de cumprir com o que tinha sido assinado pela Administração Obama. Por outro lado, Biden deu continuidade ao acordo celebrado por Trump com os talibãs para retirar o contingente americano do Afeganistão, sem consultar ou coordenar com os países parceiros e com os aliados da NATO.

Pelo seu impacto global, dois aspetos merecem uma particular atenção: o anúncio, em agosto de 2021, da intenção do presidente Biden realizar uma “Cimeira das democracias”; e a ideia de promover uma “política externa para a classe média”.

Em termos de objetivos a atingir – contrariar os desafios colocados por Beijing –, é difícil identificar diferenças entre a “Cimeira das democracias” proposta por Biden e o projeto de uma nova “Aliança de democracias” proposto pelo antigo Secretário de Estado Mike Pompeo. Relativamente ao segundo aspeto, que liga a diplomacia dos EUA à paz, segurança e prosperidade em casa, é difícil deixar de ver tal projeto como uma versão mascarada da “America First” de Trump, isto é, colocar os interesses dos EUA acima de seus compromissos globais. Embora se possam identificar nuances ao nível tático, em termos estratégicos a política externa de Biden não difere significativamente da de Trump.