Os partidos já andam na rua, em campanha para as eleições europeias.

Tenho ouvido poucas palavras de interesse. Já ouvi pessoas a insinuar-se com o arroz de atum, de coligação à direita para afastar a “geringonça”, de passes mais baratos a partir de Abril, da confusão que era se Portugal se encontrasse na situação do Reino Unido e a Europa sobre ataque populista.

Aqui, enfim, como se diz “em jogos de azar”, talvez se possa admitir, com algum esforço, que acertaram na terminação, embora com uma enfatização assente na linguagem do medo. Da Europa, resumindo, pouco ou nada. E o que queremos é a abordagem das questões de fundo e de futuro que têm afectado o não progresso da Europa.

A campanha para as eleições europeias deveria, em meu entender, sair da recentragem nas questiúnculas nacionais e abordar e debater três aspectos cruciais:

  • Cada partido deveria dizer de sua justiça e, de forma aprofundada, que União Europeia temos hoje, evidenciando as razões da sua quase paralisação;
  • Cada partido deveria dizer a União Europeia (UE) que quer e defende;
  • E ainda como construir essa UE que diz querer e forças a reunir. Sim, é preciso reunir forças para chegar aos objectivos.

A União Europeia existente

Sobre este primeiro problema, li há dias uma entrevista de um professor de ciência política francês com uma visão muito negra da Europa que temos.

As forças políticas que comandam os diferentes países da UE de hoje têm leituras históricas e actuais tão distantes que levam a desentendimentos profundos entre si e a paralisar qualquer mexida de fundo. Será que alguma vez teremos entendimentos?

Quase diria, depois de ler a entrevista, que a Europa que temos está em desagregação ou, sendo mais incisivo, em fase de pré-suicídio. O professor de ciência política em causa, Jacques Rupnik, arruma a UE actual em quatro/cinco “guetos”:

  • O gueto Orbán-Kaczynski (Hungia/Polónia) que rejeita o Estado de direito. Estes dirigentes defendem e praticam a não separação de poderes, consideram-se os representantes do povo soberano que, com o seu voto, lhes deu esse direito e muito nacionalistas – o seu país acima de tudo. Por conseguinte, acima da lei e dos tratados. Anti-Bruxelas e anti-imigração. E quanto à imigração usam argumentos do seguinte teor: quem bombardeou a Líbia e colonizou África que receba os imigrantes daí resultantes.
  • Um segundo gueto, a “República Checa”, um primeiro-ministro do tipo Trump, empresário bem-sucedido e a pretender gerir o país como uma empresa, não se distanciando muito de Orbán-Kaczynski, mas com certas singularidades. Para ele, “o Parlamento é um clube de falatório, enquanto ele é um fazedor, um homem de acção”.
  • Depois, temos a Itália, em que, pelo menos Salvini, o que pretende é dinamitar a União Europeia. Não sei mesmo se não estará a aguardar “os resultados” do Brexit para definir o trajecto e aproveitar as eleições europeias para marcar posição.
  • E ainda a Áustria, um país antigo da UE numa aliança de direita e extrema-direita que está contra a política de imigração, querendo, porém, continuar no euro.

Podemos falar de um quinto agrupamento, ainda o de maior representativo, constituído pelos restantes países, mas com grandes problemas internos sobretudo ao nível dos maiores, com governos enfraquecidos, alguns com movimentos populistas internos significativos e em progressão, e uma classe média muito descontente e descrente dos políticos.

Para mim, este é o principal problema de fundo no seio da União e de cada país. Um vulcão “algo” adormecido que, de vez em quando se “mexe”, mas pode a qualquer altura “entrar em erupção”. Eis a questão central.

Se esta situação não for equacionada numa perspectiva de mudança, e se não houver sinais firmes de que algo se vai alterar em benefício da classe média, e se o “vulcão” entrar em erupção em simultaneidade em vários países, “o espaço” será varrido de forma imparável. Há aqui muitos “ses” com elevada probabilidade de acontecerem.

Atenção àquele velho ditado “perdido por um, perdido por muitos”. Cuidado com os arrastamentos, tanto mais que as elites europeias estão muito desgastadas e desacreditadas.

As eleições europeias de Maio vão constituir uma aposta de todos estes movimentos anti, mesmo daqueles que são anti mas não querem sair do euro, querem outra UE como é o caso de Orbán (Hungria) e de Sebastian Kurz (Áustria). E que União Europeia pretenderão?

Todos os sinais apontam que pretendem reunir forças para conseguir uma UE bem de direita integrada com a extrema-direita. E aqui questiona-se: as duas forças principais que ainda dominam (democracia-cristã e social-democracia) que projecto credível vão contrapor a esta dinâmica?

Há uma dimensão muito determinante em que a UE falhou rotundamente: as pessoas, a dimensão social. Circulam as mercadorias, os serviços, o capital e está dito que as pessoas também deveriam andar na onda. Circulam sem passaporte, sem fronteiras. Mas tudo pára aqui. São abissais as diferenças comparativas entre os cidadãos de cada país, em tudo: rendimentos, impostos, serviços sociais, saúde, ensino, acesso à habitação, etc.

Penso que uma União Europeia só tem razão de ser, e só se impõe, quando visivelmente caminhar no sentido da redução destas grandes disparidades entre os cidadãos dos diferentes países. A UE que temos não marcha nesta onda. Falta-lhe uma visão integradora e orientada para um mundo futuro diferente que atenda aos interesses da vasta classe média ou dos muitos estratos dessa classe.

Será que vamos ouvir ideias dos partidos políticos que nos façam pensar numa refundação da UE? Tenho muitas dúvidas. Tendo a admitir que são mais umas eleições a preencher calendário, mas que podem trazer resultados muito imprevistos e complexos!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.