Se houve domínio onde, nos anos mais recentes, se verificou um acentuado progresso no desenvolvimento das relações laborais foi, indiscutivelmente, o respeitante à prevenção e punição de práticas de assédio em contexto profissional.

Não obstante a proibição da prática de assédio (tanto o chamado assédio moral como o de caráter sexual) ter ganho consagração legislativa com o Código do Trabalho de 2003, só a partir da Lei n.º 73/2017, de 16/8, se assistiu a uma viragem significativa no modo, não só como passaram a (ter de) ser encarados (designadamente pelas estruturas dirigentes das organizações) fenómenos potenciais de assédio, como na efetiva colocação em prática de mecanismos tendentes à denúncia, averiguação e prova de factos como tal qualificáveis.

De facto, até à publicação do citado diploma, a letra da lei – por razões várias que incluíam um padrão cultural de desvalorização de certo tipo de comportamentos, o receio de retaliação, a dificuldade de prova e a ausência de meios efetivos de fiscalização – pareceu claramente insuficiente para evitar o uso e abuso, sobretudo por parte de superiores hierárquicos, de condutas (naturalmente indesejadas) visando o objetivo, ou tendo o efeito, de “perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador” (para usar a formulação legal).

Infelizmente, comportamentos persecutórios como desocupação ou diminuição de funções, fixação de objetivos impraticáveis, desvalorização do trabalho, ameaças de despedimento, privação de benefícios ou regalias, promoção de situações de isolamento ou falta de contacto com chefias ou colegas e uso de expressões humilhantes ou maliciosas,  adotados com caráter mais ou menos reiterado no tempo, continuavam, em clima de impunidade, a ser parte da estratégia de chefias menos escrupulosas, tendo em vista a criação de situações de desgaste tendentes à desvinculação da organização por parte dos trabalhadores.

O que veio então a Lei n.º 73/2017 trazer de novo para mudar o paradigma do tratamento das potenciais situações de assédio? Desde logo, veio impor a todas as empresas com sete ou mais trabalhadores a obrigação de adotar “códigos de boa conduta” destinados à prevenção e combate ao assédio no trabalho.

Mas foi ainda mais longe, ao passar a prever como dever do empregador, igualmente, o de instaurar procedimento disciplinar “sempre que tiver conhecimento de alegadas situações de assédio no trabalho”. E, como sinal de que o cumprimento destas obrigações deveria ser levado a sério, não só sancionou a respetiva violação, num e noutro caso, como contraordenação grave, como protegeu denunciantes e testemunhas de eventuais retaliações, impedindo-os de serem sancionados disciplinarmente por declarações prestadas (a não ser havendo dolo dos mesmos).

É certo que a exigência de “procedimento disciplinar” em qualquer situação de conhecimento de “alegadas situações de assédio” – por parecer manifestamente excessivo no caso de denúncias infundadas, imprecisas ou não suficientemente concretizadas – exigirá uma interpretação corretiva, devendo ler-se “inquérito” ou “averiguação” (justamente para apuramento ou não de condutas com relevância disciplinar) onde se escreveu “procedimento disciplinar”.

Mas este excesso de zelo do legislador (porventura para aplacar a má consciência de tantos anos de ineficácia no combate ao assédio) não esconde o essencial: que a entrada em vigor da Lei n.º 73/2017, e a mudança de comportamentos que induziu, é o reflexo de uma revolução de mentalidades em curso, que passou a tratar o assédio com a seriedade e dignidade que há muito justificava.