O legislador decidiu encarar de forma mais séria o tema do assédio moral, com mudanças no enquadramento legal que vão vigorar já a partir do primeiro dia de outubro, as vítimas e as testemunhas de assédio no trabalho estão mais protegidas, com a entrada em vigor do diploma. Os empregadores terão de estar mais atentos ao que se passa na empresa. A nova lei obriga os patrões a denunciar casos de que tenham conhecimento, no seio da própria empresa. As firmas com sete ou mais trabalhadores que ainda não tenham um código de boa conduta que faça referência à prevenção e ao combate ao assédio ficam sujeitas a uma contraordenação grave, que pode ser superior a nove mil euros, nas situações mais graves.
A existência de um guia de boas práticas é inibidora, para o sócio da DLA Piper ABBC João Guedes, mas apesar de agora o denunciante não poder ser ‘perseguido’ por contar a verdade, poderá haver pedras no caminho. “Alterações muito profundas são ilusórias. As regras põem por escrito algo que não deve acontecer nas empresas e representam uma evolução na proteção do trabalho. No terreno tudo é mais difícil, por causa do objeto de prova em tribunal, da impossibilidade de provar que houve assédio”. Ainda assim, o advogado sublinha as consequências “danosas” para as empresas, como o facto de terem de tornar público que houve assédio no local.
Multas dependem do volume de negócio
O empregador que transgredir a lei por não adotar um código de boa conduta ou por não instaurar um procedimento disciplinar se souber de alegadas situações de assédio pratica uma contraordenação grave e será punido com uma coima que, dependendo do volume de negócios do empregador, poderá chegar aos 9.690 euros, em casos de dolo. O assédio mantém-se como uma contraordenação muito grave, punível até 61.200 euros.
A nova lei (73/2017), promulgada a 16 de agosto, traz mudanças nesta matéria quer para as empresas privadas quer para as públicas, ao abrigo do Código do Trabalho e da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. A norma determina que a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de doenças profissionais resultantes da prática de assédio é do empregador.
Empregador pode ter de pagar danos da vítima
O encargo de reparação dos danos por parte dos patrões ainda é dúbio e vi dar pano para mangas a nível legal e devido à aplicação que as autoridades administrativas e os tribunais dele fizerem, na ótica de Tiago Cortes, sócio da PLMJ do departamento de laboral e de Joana Correia da Fonseca, advogada associada: “Apesar de ser uma matéria que carece de regulamentação, significa que o empregador deverá suportar todos os custos associados a doenças profissionais (depressões, esgotamentos nervosos…) resultantes da prática de assédio”. Ou seja, ainda que a responsabilidade do pagamento ao trabalhador caiba à Segurança Social, a entidade pode, mais tarde, exigir ao empregador esse montante, conforme explicam.
O papel da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e da Inspeção-Geral das Finanças é o de disponibilizar um email, site ou outra plataforma eletrónica exclusivamente dedicada à recepção de queixas de assédio no trabalho. Questionada sobre as queixas que recebeu este ano, a ACT respondeu que não disponibiliza dados sobre queixas recebidas por a matéria envolver sigilo profissional a que a está vinculada.
No entanto, a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) também tem recebido muitas perguntas de trabalhadores preocupados em conhecer os seus direitos, segundo disse ao Jornal Económico Joana Rabaça Gíria, da área jurídica da organização. “Se quem pratica tiver noção de que pode ser sancionado evitam-se problemas. A sociedade não se mede por decreto, mas as coisas não podem continuar como estão. A lei é equilibrada. Obviamente, não vai acabar com o assédio, mas a prevenção é fundamental nesta área de atividade”, refere.
Os peritos aconselham os patrões a estarem atentos e os trabalhadores têm agora um caminho direto para reagir, sejam vítimas ou espectadores. “Os empregadores deverão estar particularmente atentos com a vista identificar situações de assédio. A fronteira nem sempre é fácil. Muitas vezes, em grandes empresas, tais situações ocorrem sobretudo no universo do relacionamento hierárquico de chefias intermédias e não tanto ao nível dos órgãos de gestão”, apontam os advogados da PLMJ.
Um sexto da população ativa sofreu de assédio moral
O estudo “Assédio moral e sexual no local de trabalho”, publicado em abril de 2016 pela CITE, concluiu que houve uma diminuição de casos de assédio em 25 anos, motivada pela regulação das relações de trabalho e pela disseminação de políticas organizacionais de tolerância zero.
A análise mostra ainda que cerca de um sexto da população ativa de Portugal Continental, excluindo o setor primário, já sofreu pelo menos uma vez ao longo da sua carreira profissional uma situação de assédio moral no local de trabalho. As situações mais frequentes são a intimidação (48,1%) e a perseguição profissional (46,5%).
O dado mais impactante é o de que 12% dos 1801 inquiridos (14,4% de mulheres e 8,6% de homens) dizem já ter sido ou serem assediados sexualmente no emprego, sendo que em 37,4% dos casos ocorreu no antigo local de trabalho. Os valores estão muito acima da média europeia (2%), de acordo com o European Working Conditions Survey.
O que muda?
- Se o empregador tiver conhecimento de possíveis situações de assédio no trabalho é obrigado a instaurar um procedimento disciplinar
- Empresas com um quadro de pessoal com pelo menos sete funcionários ficam obrigados a adoptar um código de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho
- A responsabilidade última pelos danos causados na saúde dos trabalhadores decorrentes de situações de assédio profissional é do empregador
- O despedimento ou outro castigo aplicados, até um ano após a denúncia do caso, são considerados abusivos
- Direito a uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, sempre que se verifique uma situação de assédio
- Os acordos de revogação de contrato de trabalho têm de passar a referir que o trabalhador tem 7 dias úteis para se arrepender e cessá-lo, depois da assinatura
Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador – Artigo 29º do Código do Trabalho