No âmbito do programa BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), a OCDE propôs um conjunto de ações, nas quais se inclui a Ação 4, referente à erosão da base tributável através da dedução de juros, a qual surgiu da constatação de que o princípio da plena concorrência não era suficiente para limitar a utilização de esquemas intragrupo que utilizassem a dedução de juros pagos entre sociedades, com o fim de diminuir a sua base tributável.
A reboque da iniciativa da OCDE, a Comissão Europeia (CE) sentiu necessidade de aprovar regras específicas. Neste sentido, a Diretiva ATAD limita a dedutibilidade dos gastos excessivos com empréstimos obtidos pelos contribuintes.
O ordenamento jurídico português previa já uma limitação similar à prevista na ATAD desde o OE de 2013. A análise crítica acerca da necessidade de transposição da Diretiva pela Lei 32/2019 assume ainda maior relevância, porquanto aquela previa a possibilidade de os Estados-Membros (EM) solicitarem à CE o adiamento até 2024 da transposição quanto a este tema específico, caso entendessem que as medidas já em vigor no seu ordenamento jurídico eram substancialmente idênticas às previstas na Diretiva. Ora, Portugal, ao contrário de outros EM, não solicitou esta extensão.
A Lei 32/2019 não altera o conceito de fundo de gastos de financiamento, apenas o alarga passando a incluir, em conformidade com a ATAD: pagamentos no âmbito de empréstimos participativos e montantes pagos ao abrigo de mecanismos de financiamento alternativos, incluindo instrumentos financeiros islâmicos; juros de obrigações abrangendo obrigações convertíveis, obrigações subordinadas e de cupão zero; depreciações e amortizações de custos de empréstimos obtidos capitalizados no custo de aquisição de elementos de ativo; montantes calculados por referência ao retorno de um financiamento no âmbito das regras em matéria de preços de transferência; montantes de juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados ou de mecanismos de cobertura do risco relacionados com empréstimos obtidos; comissões de garantia para acordos de financiamento, taxas de negociação e gastos similares relacionados com a obtenção de empréstimos.
Dos acima referidos, há que destacar a consideração para o cálculo da componente de juro capitalizado em elementos do ativo que já se encontrem a ser depreciados e amortizados. Na ausência de uma regra transitória, entendemos que para o cálculo devam entrar todos os que forem reconhecidos através das depreciações e amortizações subsequentes à entrada em vigor da lei, independentemente do ano em que os juros foram capitalizados. Ora, na medida em que existem ativos com períodos de depreciação alargados, estar-se-á a exigir, mais uma vez, um esforço adicional aos sujeitos passivos.
Adicionalmente, importa referir que o legislador nacional não sentiu necessidade de alterar a redação do n.º 12 do artigo 67.º do CIRC relativamente às locações, continuando aquele apenas a contemplar os juros referentes às locações financeiras. Este tema assume particular relevância nas situações em que os sujeitos passivos adotem os IFRS como normativo contabilístico, dada a IFRS 16.
Acrescente-se ainda que a ATAD concedeu aos EM a possibilidade de excluir do âmbito de aplicação da norma os encargos financeiros derivados de empréstimos que tenham sido concluídos antes de 17 de junho de 2016, facto não aproveitado pelo legislador nacional, talvez por entender que esta exclusão não se justificava, dado que o regime português existe desde 2013.
No que respeita ao cálculo do limite, tratando-se de um standard mínimo, a regra que vigorava em Portugal (30% do EBITDA ou € 1M) podia ser mantida e foi essa a opção tomada pelo legislador. Contudo, a ATAD prevê a possibilidade de um sujeito passivo considerado como entidade autónoma não estar sujeito a nenhum dos limites anteriores e também prever rácios diferentes nas situações em que o sujeito passivo seja membro de um grupo consolidado para efeitos de contabilidade financeira. Contudo, o legislador nacional não previu nenhuma exceção.
O regime atualmente em vigor determina que o EBITDA a considerar para o limite percentual deve ser encontrado corrigindo o EBITDA contabilístico de determinados ajustamentos fiscais.
A Diretiva prevê que o EBITDA seja calculado reintegrando nos rendimentos sujeitos a imposto os montantes ajustados para efeitos fiscais relativos aos gastos excessivos com empréstimos obtidos, bem como os montantes ajustados para efeitos fiscais relativos a depreciações e amortizações, sendo os rendimentos isentos de imposto excluídos do EBITDA. Contudo, a transposição que foi feita da Diretiva implica que o EBITDA passe a corresponder ao lucro tributável ou prejuízo fiscal sujeito e não isento, adicionado dos gastos de financiamento líquidos e das depreciações e amortizações que sejam fiscalmente dedutíveis. Ou seja, o legislador nacional interpretou que, quando a norma referia “rendimentos sujeitos a imposto sobre as sociedades no Estado-Membro do contribuinte” estar-se-ia a referir ao lucro tributável em detrimento do RAI.
Uma vez que o novo conceito de EBITDA passa a construir-se a partir do lucro tributável ou prejuízo fiscal, altera-se a lógica atual. Assim, passam a ser ajustados os gastos com depreciações e amortizações que não sejam relevantes para efeitos fiscais, e passam somente a ser considerados os gastos de financiamento líquidos, até à respetiva concorrência, do montante dos juros e outros rendimentos de idêntica natureza, sujeitos e não isentos.
Em conclusão, ao fixar um nível mínimo de proteção do mercado interno, a presente Diretiva apenas visa alcançar o grau mínimo essencial de coordenação no interior da UE. As opções não exercidas por Portugal, mas exercidas pelos demais EM, condicionarão, nomeadamente, a capacidade de atração de investimento com nível de alavancagem mais elevado.
Com o aproximar da entrega da declaração de rendimentos respeitante a 2019 é chegada a hora de apurar o real impacto destas alterações.