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“Até 2023 venda de NPL em Portugal vai ser regulada pelo Banco de Portugal e a Hipoges está preparada”

A Hipoges Ibéria é uma gestora de ativos com mais de 30 mil milhões de euros em ativos sob gestão. Deste montante, 24% é gerido em Portugal. De resto, 55% é gerido em Espanha, 14% em Itália e 7% na Grécia, revela o co-CEO Hugo Velez em entrevista.
21 Março 2022, 18h20

O responsável da Hipoges Ibéria, Hugo Velez, em entrevista ao Jornal Económico, fala da atividade de venda de carteiras de malparado e imóveis aos bancos. Uma atividade que na Península Ibérica ainda não é regulada, ao contrário do que acontece na Grécia e em Itália, onde a servicer detida maioritariamente pelo KKR está presente. Mas já há uma diretiva europeia e até 2023 a atividade estará sob a regulação do Banco de Portugal, revela o co-CEO.

Fundada em 2008, a Hipoges é uma das plataformas que opera no setor de Asset Management, e tem mais de 30.000 milhões de euros em ativos sob gestão. Está presente em Portugal, Espanha, Itália e Grécia. Atualmente a Hipoges gere um espectro muito amplo de ativos, que incluem: hipotecas residenciais e corporativas, empréstimos às PMEs e Grandes Empresas, crédito ao consumo, contas com a Administração Pública e bens imobiliários residenciais e terciários.

Está em Portugal desde 2009 e em 2018 participou num consórcio com a KKR, principal acionista da Hipoges, e a LX Partners, na compra da Nata 1, uma carteira de 1.750 milhões de euros em crédito malparado do Novobanco. No ano passado participou no consórcio de fundos que ganhou a carteira Orion, do Novobanco, que inclui créditos não produtivos e ativos relacionados. Eram mais de 12 mil empréstimos e, em setembro de 2021, o seu valor nominal (outstanding balance) ascendia a 231,3 milhões de euros. O valor de venda do portefólio totalizou 64,7 milhões de euros. O vencedor foi um consórcio de fundos geridos pelas West Invest UK Limited Partnership e LX Investment Partners III. Também o ano passado a Hipoges integrou o consórcio que ganhou a corrida à compra da carteira Gerês do Banco Montepio. Uma carteira no valor de 253 milhões de euros de crédito malparado que englobou 10.318 contratos.

O Hugo Velez é Co-CEO e partner da Hipoges Ibéria. Isto significa que a Hipoges tem dois presidentes?  António Nogueira Leite está na Hipoges em Portugal…
Sim, sou Co-CEO com Claudio Panunzio. António Nogueira Leite está na equipa da Hipoges desde o início [é Senior Board Advisor para Portugal].

O que é a Hipoges?
A Hipoges Ibéria é uma gestora de ativos com mais de 30 mil milhões de euros em ativos sob gestão. Deste montante, 24% é gerido em Portugal. De resto, 55% é em Espanha, 14% em Itália e 7% na Grécia. O nosso core business é assessorar fundos de investimento que adquirem portfólios de NPL [Non-Performing Loans] e também portfólios de imobiliário [REO – Real Estate Owned]. No fundo, este 31 mil milhões que nós gerimos são repartidos entre dívida e imóveis. Fazemos a gestão da dívida, fazemos a assessoria e a avaliação das carteiras para estes fundos de investimento e isto é o principal core business da empresa. O crescimento que a empresa tem tido, em Portugal criámos uma sociedade de titularização que é supervisionada pela CMVM, a Ares Lusitani STC, que ajuda neste mercado de aquisição de carteiras.

Esses 31 mil milhões de euros ativos sob gestão que a Hipoges Ibéria tem são créditos NPL ou imóveis?
São dívida e imóveis. Em termos de colaterais dos créditos NPL que adquirimos, temos 78 mil imóveis. Depois, em imóveis, temos 35 mil em gestão, 26 mil dos quais em Espanha. Em Portugal são sete mil imóveis, à data de hoje.

A Hipoges em Portugal quantos ativos tem sob gestão concretamente?
São 7,5 mil milhões de euros. Destes, apenas mil milhões eram puro imobiliário quando adquirimos. Os outros 6,5 mil milhões foram carteiras de NPL de crédito à habitação, crédito ao consumo (unsecured) e crédito sem garantias (unsecured) para empresas e crédito à contração com garantias reais. O nosso core é muito mais crédito [malparado] com garantias reais imobiliárias [colaterais]. Até porque as carteiras de NPL vão se transformando em imóveis. O que não significa que o crédito [malparado] sem garantias não seja uma linha de negócio interessante e que tem corrido até bastante bem.

Quantos colaboradores tem a Hipoges?
Este ano atingimos o marco de 1.000 colaboradores. E em Portugal somos quase 300, entre Lisboa e Porto.

Quais as maiores carteiras que adquiriram aos bancos portugueses nos últimos tempos? Está em Portugal desde 2009 e sei que participou num consórcio com a KKR, principal acionista da Hipoges, e a LX Partners, na compra do Nata 1, uma carteira de 1.750 milhões de euros de crédito malparado do Novobanco.
A Hipoges tem tido um papel de destaque nos últimos três anos em Portugal. As carteiras com maior dimensão foram as do Novobanco. Mas em geral temos estado envolvidos na aquisição de carteiras de todos os bancos em Portugal. Estamos a falar de seis bancos que vendem carteiras. Não temos um banco a que compramos mais ou menos carteiras.

A Hipoges vai aos concursos com algum parceiro em especial?
Nós somos um dos poucos servicers que atua como multi-client, não temos exclusividade com nenhum fundo. O nosso cliente normal é um credit fund ou um hedge fund, ou bancos de investimento. Mas temos uma base de clientes, em Portugal e em Espanha, muito diversificada. Quase 30 clientes diferentes. Isto permite, dependendo da tipologia da carteira, ir aos concursos com fundos diferentes.

É fácil ganhar operações em Portugal? Não há players a mais para um mercado tão pequeno?
Não é fácil ganhar operações em Portugal. O mercado português não tem grande dimensão, mas é um país que não tem grande dificuldade em atrair investimento internacional. O mercado é pequeno, mas atrai facilmente investidores internacionais e isso faz com que os processos [de venda de carteiras] sejam muito competitivos. Nós atuamos em Espanha, Itália, Grécia e Portugal e eu diria que o mercado português é provavelmente o mais competitivo. Isto porque os investidores estão confortáveis em investir em Portugal. Para os bancos portugueses é bom que assim seja porque um mercado competitivo faz maximizar os preços das vendas.

Quando se ouve falar em compras de malparado com grandes descontos (de 70% a 80%). Esses descontos são reais?
Os bancos estão a ser injustiçados quando se diz que vendem carteiras com grandes descontos. Estas carteiras não são vendidas abaixo do que está marcado no balanço dos bancos. Foram feitas provisões antes, registadas imparidades nesses créditos para que depois as carteiras de crédito possam ser vendidas. Portanto, quando se fala de descontos, fala-se de uma redução face ao valor facial do crédito, antes de imparidades. Isto significa que os bancos registaram antes essas perdas. Os bancos fizeram um bom trabalho.

O fim das moratórias trouxe mais negócio para os compradores de NPL e de REO?
Nas carteiras que foram vendidas no ano passado ainda não se sentiu esse efeito. Com o fim das moratórias dos créditos de PME e Corporate, e com o efeito da Covid-19, haverão empresas que não vão conseguir cumprir o serviço da dívida. Isso vai criar stocks adicionais de NPL. Acho que no final deste ano algumas das carteiras que chegarão ao mercado já podem ter algum desse stock. Mas o verdadeiro impacto vai fazer-se sentir mais em 2023, essencialmente de crédito NPL de empresas e PME. Os bancos estão conscientes desse efeito e estão preparados para lidar com potencial aumento dos NPL.

Quais são as expectativas para o mercado de NPLs em 2022?
Em Portugal eu acho que o mercado vai ser muito em linha com o ano passado. Os principais bancos vão continuar a vender carteiras de NPL como em 2021. No ano passado já não houve no mercado carteiras de grande dimensão. É verdade que há bancos que já estão menos pressionados, mas há outros que continuam pressionados a limpar o balanço de crédito non-performing. Daquilo que estamos já a ver neste primeiro semestre, verificamos que está muito em linha com o ano passado. Há dois ou três bancos nacionais que vendem os seus portfólios. Anualmente, é um procedimento que já faz parte da estratégia de recuperação de crédito. Os bancos já têm modelos de negócio bem montados para a venda de carteiras.

Quantas carteiras de NPL e REO esperam que cheguem ao mercado este ano?
No primeiro semestre vão chegar ao mercado cerca de quatro a cinco carteiras de crédito NPL secured [com colaterais dados como garantia], entre crédito à habitação e crédito a PME, e creio que, pelo menos, três carteiras de crédito unsecured. Os bancos que vão vender são os mesmos do ano passado e os volumes são muito semelhantes.

Não antevê que cheguem ao mercado créditos incobráveis de grandes empresas e os chamados single names?
A expectativa é que as carteiras que cheguem ao mercado sejam compostas por crédito à habitação e a empresas com garantia real. Isso é o que eu espero que seja mais vendido. Mas haverá certamente algumas vendas de créditos de single names e alguns corporate names.

Espera uma nova vaga de carteiras de NPL no mercado com a subida expectável das taxas de juro e com o impacto nos custos decorrentes das sanções à Rússia por causa da Ucrânia, nomeadamente, matérias primas, combustíveis?
Qualquer crise económica cria dificuldades às empresas. Algumas empresas, mais uma vez, vão ter mais dificuldade em cumprir com o serviço da dívida, isso poderá provocar um aumento do malparado. A crise pode também afectar o crédito das famílias, uma vez que as taxas de juro vão subir. Estamos, de facto, a viver momentos de uma grande volatilidade, que foi agravada com a situação da guerra, e a volatilidade para os mercados e para os fundos de investimento que adquirem este tipo de carteiras e de ativos [distressed assets] afecta o apetite pelo risco e isso pode fazer com que os preços oferecidos pelas carteiras possam ser ajustados em baixa. O incremento da alocação do risco pode ter esse efeito de penalização do preço.

Se o negócio da venda de carteiras de malparado ficar afectado pela volatilidade dos mercados, ou por os bancos já terem feito uma grande parte da limpeza do balanço e perante a grande competitividade comprimir as margens do vosso negócio, acredita que as servicers podem entrar em movimentos de fusão?Em Espanha que é um mercado muito maior e há mais empresas eu admito que sim. Em Portugal, eu acho que não. Porque, para o nosso core de negócio, que é o crédito malparado secured (com garantias reais) existem verdadeiramente quatro a cinco servicers. Se reduzíssemos o mercado a duas ou três empresas seria mau para o mercado. Eu não acredito que possam existir fusões entre os principais servicers em Portugal

No que toca à legislação europeia para a venda de NPLS, pergunto se já estão preparados para cumprirem todos os requisitos?
Os mercados grego e italiano, onde já estamos, são regulados. Estranhamente o mercado ibérico não é. Não há ainda regulação para esta atividade. Já existe uma diretiva europeia e por isso, num prazo de dois anos, o mercado ibérico vai ser regulado. O período de adaptação para as empresas portugueses será até ao fim de 2023, creio. O próprio tratamento com os devedores vai ser regulado. Esta atividade da compra de carteiras vai ter como regulador o Banco de Portugal, se for como na Grécia e em Itália. Eu acho bem que o mercado seja regulado.

As servicers estão preparadas para essa transição para um mercado regulado? Ou vai ser disruptivo para algumas por causa do aumento dos custos regulatórios?
No nosso caso já estamos preparados porque somos regulados na Grécia e em Itália. Temos rating da Standard & Poor’s. Portanto para a Hipoges a adaptação a um mercado regulado em Portugal e Espanha não nos vai exigir grandes custos. Noutra empresas, sim, poderá ter um impacto nos custos. Acho que deixarão de existir empresas menos preparadas.

Quem são os acionistas da Hipoges? E com quanto?
O KKR é o maior acionista e depois sou eu e o Claudio. Mas não podemos fazer esse disclosure.

O KKR é o maior acionista da Hipoges desde 2018. Qual é a importância que de ter um fundo como o KKR como acionista principal?
Tem-nos incentivado muito a fazer a expansão, a entrar na Grécia e em Itália. Mas também a expandir linhas de negócio, como é o caso da STC (Ares Lusitani). É também mais um cliente da Hipoges, uma vez que adquirem carteiras de NPL [malparado] e REO [imobiliário]. Não existe exclusividade.

O Banco Montepio está a preparar uma operação com malparado a que chamou “Projeto Douro”. Foram convidados para concorrer?
Não. A Hipoges não foi convidada. Tivemos uma conversa com o advisor, que é o Nomura, mas creio que o processo foi feito por convites diretos aos investidores e por isso os servicers não foram convidados. Há investidores que foram convidados. Nós ainda fomos contactados por alguns investidores, mas creio que esses não estão a avançar na transação.

O KKR não foi convidado?
Não foi.

Neste momento a que carteiras de malparado é que estão a concorrer?
O nosso core é mais crédito secured. Portanto, crédito à habitação e corporate (empresas), mas com garantias. No ano passado adquirimos três carteiras de Resi Mortgage [crédito à habitação] e PME, ambas secured, na fase final do ano. Confesso que a Hipoges tem estado um bocadinho mais fora, em termos de competitividade, nas carteiras de crédito ao consumo, ou dívida a empresas sem garantias reais, mas é um mercado a que queremos voltar e vamos tentar ser mais competitivos. Neste momento as carteiras estão a chegar ao mercado e não há nenhum processo ativo. Há um que está neste momento a fechar, do BPI, o Projeto Laser, mas não estamos envolvidos. No ano passado ganhámos a carteira do Novobanco Orion e a carteira Gerês do Banco Montepio.

Como é que se chega ao preço justo de um portfólio?
Nos casos mais comuns em Portugal que são portfólios de crédito à habitação, ou crédito a empresas com garantias reais. Existe uma componente muito forte de avaliação imobiliária. Todos os colaterais têm de ser avaliados. Depois é importante identificar algumas variáveis dessas carteiras, como saber se há processos judiciais, e em que fase é que estão esses processos judiciais. É preciso perceber se a originação desses créditos é a correta e se o segmento é de mais ou menos risco.  É preciso ter uma perceção do tempo da resolução dos problemas, saber se é possível resolver fora do tribunal. No fim descontam-se os cash flows. É esta a metodologia.

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