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Auditores e revisores admitem aumento do risco com crise económica

Auditores e revisores oficiais de contas acreditam que os riscos que os clientes sentem com o contexto macroeconómico vão pesar nos trabalhos. Ambicionam crescer para conseguir atrair e reter mais talento.
5 Junho 2022, 17h00

O sector da auditoria e revisão de contas entende que não encara preocupações muito diferentes do restante tecido empresarial, mas identifica desafios como a retenção de talento e o atual contexto global, que ao pressionar os clientes poderá acrescentar trabalho às sociedades. Acima de tudo, há vontade de crescer para nivelar o playing field com as sociedades de grande escala, nomeadamente através da concentração.

O partner da Carmo & Cerqueira, José Carmo, acredita que as tendências na auditoria não se podem medir a curto-prazo, e diz ainda que “não há uma tendência para 2022”. “A questão vai ser gerir, nos nossos trabalhos, aquilo que são os riscos que se refletem nos clientes, nomeadamente fruto desta questão da guerra, de aumento de preços e da inflação”, esclarece. Olhando mais a longo-prazo, Carmo defende que a auditoria tem de compensar a falta de “uma especialização muito grande, mas em muitas áreas”, diz. “Começa-se a tornar muito difícil, para empresas de menor dimensão e com menos pessoas, acompanhar as mutações que estão a ocorrer em tanto sítio ao mesmo tempo”.

Diversificação, escala e um modelo de endividamento
Também o managing partner da Baker Tilly, Paulo André, concorda com o problema da escala, que diz refletir-se em diferentes vertentes, do talento à capacidade de resposta. “Estamos numa atividade que é supervisionada, existem vários reguladores consoante a natureza das empresas dos clientes com quem trabalhos”, explica. “Logo aí, há um desafio adicional que vai trazer mais carga de trabalho, porque o nível de envolvimento sobre essas temáticas vai ser maior, há uma maior diversidade das áreas de intervenção”, que vão além da contabilidade e dos impostos, como frequentemente se considera.

“Já estamos no branqueamento de capitais, no ESG, na blockchain, etc. O padrão de honorários vai-se mantendo mas o nível de intervenção vai aumentando e, obviamente, todo este enquadramento macroeconómico traz esses tais riscos acrescidos”, adianta Paulo André.

Apesar de José Carmo admitir que esse mesmo contexto pode representar uma oportunidade para o mercado de capitais, reconhece que a sua principal preocupação vem daquele que diz ser um modelo que favorece o endivididamento. “A principal preocupação que vejo é que Portugal tem um modelo que favorece o endividamento, através do recurso à dívida bancária, à dívida externa (…) Aí sim, os efeitos poderão ser particularmente graves e sentidos”, acautela ainda o partner da Carmo & Cerqueira. Para Paulo André, esta incerteza traz mais preocupação para a revisão de contas, e há que estar “ainda mais atento”. “Nunca se falou tanto como ultimamente nos riscos políticas e geográficos – falamos sempre mais e gerimos sempre mais riscos financeiros. Acho que há aqui uma perspetiva a que todos os auditores estarão atentos e saberão dar resposta”, perspetiva.

Crescer e concentrar para reter talento
Mas dar resposta a um rol cada vez maior de exigências e responsabilidades implica um investimento na transformação tecnológica, mas sobretudo na diversificação de competências. A resposta, diz Paulo André, é “ganhar dimensão”. Há que “explorar o o processo de fusão, de aquisição, de compra, de concentraçáo. Basta olhar um bocadinho para o lado, para o negócio da advocacia, que é parecido ao nosso, a mobilidade que existe nessa indústria. É muito maior o movimento de concentração que está a ocorrer do que aquele que existe na nossa indústria. Penso que esse é um caminho a seguir para muitas organizações que estão em Portugal. José Carmo concorda que o caminho pode ser esse, até porque a Carmo & Cerqueira já tenta “ter equipas com formação específica em cada uma destas áreas” mais inovadoras. Mas em Portugal, diz, a concentração “não acontece, porque houve uma proteção excessiva da profissão durante demasiado tempo. O nosso mindset não é esse”, admite.

Transformação sim, mas de forma natural
Quanto a tendências tangíveis, é claro: “À medida que a economia vai crescendo, à medida que vamos sendo transformados por aquilo que ocorre lá fora, acabamos por seguir essa tendência. Acho é que estamos um bocadinho atrasados no processo, mas concordo perfeitamente que vai ter de ocorrer, até para conseguirmos combater com as entidades internacionais, se não acabamos a ser tomados por elas. Vai ser uma transformação que vai ter de ocorrer de forma natural”, remata. Por sua vez, Paulo André chama a atenção para o cenário do sector, face às Big Four – EY, PwC, Deloitte e KPMG. “Qual é a percentagem de pessoas que entre [nessas empresas] e que, eventualmente, chega a manager ou partner? É incomensuravelmente maior do que nas pequenas auditoras”, garante. O responsável da Baker Tilly acredita que esse dado é importante para entender por que motivo é tão difícil para as empresas pequenas ou de média dimensão atrair ou reter talento: a ausência de uma carreira garantida. “Nós não damos emprego, nós proporcionamos uma carreira profissional, uma carreira liberal. Portanto, ou há crescimento e as pessoas têm a possibilidade de chegar ao topo da organização e mantêm-se”, ou acontece o oposto. “A única solução é crescer, por isso a pressão que as auditoras têm em crescer e manter os seus quadros é significativa”, diz ainda. O caminho é crescer internamente – tarefa árdua – ou por associação, esclarece Paulo André.

Talento não é escasso e a profissão não se vai tornar obsoleta
José Carmo partilha o mesmo raciocínio ao esclarecer que, ao contrário do que acontece em muitas áreas especializadas, não há, per si, uma escassez de talento na auditoria. “Não gosto muito de falar em escassez de pessoas qualificadas, ou de mão-de-obra, porque acho que nunca houve tanta gente qualificada como atualmente”, considera. O problema, sublinha, é a “capacidade de atração”.

“Como é que nós passamos uma imagem, que às vezes ficou associada, que é de uma atividade monótona e mais cinzenta – que não o é de facto, na realidade”, garante. O partner da Carmo & Cerqueira está confiante de que a auditoria tem vantagens, nomeadamente por lidar com empresas muito diferentes todas as semanas. Essa sinergia com os clientes acaba por formar auditores muito versáteis, experientes e polivalentes. O problema vem quando esse talento passa para o outro lado da barricada, adianta José Carmo. “Atraímos o talento numa primeira fase e depois começamos a ter uma segunda fase que é quando as empresas também percebem que quem tem formação em auditoria acaba por ser uma mais-valia do ponto de vista da gestão financeira da empresa. E começam a querer vir buscar esses talentos”, lamenta. “Nós, de uma dimensão mais pequena, ainda temos que lidar com o assédio de [empresas de] maior dimensão que, naturalmente, se vão lá buscá-los, depois também vão ter de os procurar em algum lado. No fundo, há esta dinâmica: dificuldade inicial de atração e depois uma segunda dificuldade, que é de retenção”, esclarece.

Ainda assim, tanto José Carmo como Paulo André estão confiantes na relevância de que a profissão ainda beneficia, O líder da Baker Tilly, explica que, do ponto de vista regulatório, “sendo uma profissão regulada não estaremos em situações de perca de mercado. Os trabalhos de auditoria são obrigatórios e, portanto, os clientes vão continuar a requisitar este tipo de serviços”.

Quanto ao futuro, considera que existirão “algumas situações de oportunidades, tendo em conta o Plano de Recuperação e Resiliência. Há todo um trabalho da correta aplicação dos fundos pode ser uma oportunidade para a auditoria”. Já do ponto de vista do negócio, defende que “cada sociedade terá as suas particularidades e, consoante a sua carteira de clientes, estará ligada a vários sectores que, tendo em conta o impacto da pandemia e da guerra”, poderão sentir impactos na operação, tanto na vertente financeira como económica.

Reveja esta conversa na íntegra na JE TV em www.jornaleconomico.pt

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