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Aurélia de Sousa: a pintora e fotógrafa que nos olha nos olhos vai ter um catálogo

Era uma vez uma artista portuense, nascida no Chile, que se trajou de Santo António para um autorretrato. No centenário da morte de Aurélia de Sousa, um ‘catálogo raisonné’ coloca em evidência a obra de uma mulher artista na vanguarda da sua época.
10 Março 2022, 07h55

Aurélia de Sousa, a mulher artista na vanguarda da sua época, levou uma vida pouco convencional. E a sua obra só poderia plasmar essa singularidade. O reconhecimento e prestígio não chegaram em vida, mas no centenário da sua morte procura-se, de uma vez por todas, colmatar essa lacuna com a publicação de um ‘catálogo Raisonné’ – num esforço conjunto do Museu Nacional Soares dos Reis, Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova e a Universidade Católica – que vai integrar toda a obra da artista, e que será disponibilizado em versão impressa e ebook.

O projeto teve início em 2020 e está a ser conduzido pela historiadora de arte Raquel Henriques da Silva, que dirigiu o Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado e o antigo Instituto Português dos Museus.

Uma mulher dona do seu nariz

Mas quem foi esta mulher? Maria Aurélia Martins de Sousa nasceu a 13 de junho de 1866, na cidade de Valparaíso, no Chile. Cresceu numa família de emigrantes neste país da América do Sul, que aí procuraram melhores condições de vida. O regresso a Portugal deu-se depois de o pai ter feito fortuna nas obras dos caminhos-de-ferro chilenos. Passaram a viver no Porto, junto às águas do Douro, na zona de Campanhã.

© Santo António, Aurélia de Sousa, MNSR

Cresce numa quinta, a Quinta da China, e num ambiente essencialmente feminino desde a morte do pai, em 1875, quando a mãe fica com a tutela das suas seis filhas. Educada sob os preceitos de uma família tradicional burguesa, Aurélia mostrava grande apetência para as artes. A destreza para o lápis e para o pincel era particularmente auspiciosa, ao ponto de o seu professor de pintura e desenho, Caetano Moreira da Costa Lima, dizer que nada mais tinha para lhe ensinar.

Aos 27 anos, decide matricular-se na Academia Portuense de Belas-Artes, embora sem o aval da sua mãe. Aurélia crescera dona do seu nariz e, tal como escolheu frequentar a Academia, também depressa concluiu que não a satisfazia. Desiludida com o curso, parte para Paris, em 1899, para frequentar a Academia Julian, onde as mulheres só dois anos antes haviam começado a ser admitidas.

Ao contrário do destino traçado para as mulheres do seu tempo, Aurélia de Sousa nunca casou nem teve filhos. Tal como nunca regressou a Valparaíso, muito embora não tenha abdicado da nacionalidade chilena. À pintura juntou outra paixão, a fotografia, que a experimentou enquanto prática artística e que usou como base de trabalho nas suas pinturas. Na tradição do chamado “retrato de aparato”, vestiu-se de Santo António e usou a fotografia para encenar um autorretrato inovador e desconcertante.

O “Autorretrato” que pintou por volta de 1900 [imagem em destaque], e que faz parte da coleção do Museu Nacional Soares dos Reis, é uma das obras de referência da arte portuguesa na viragem dos dois séculos. Grande parte da sua obra integra, aliás, o núcleo museológico do Soares dos Reis, mas também do Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, em Lisboa, e ainda, no Porto, a Casa-Museu Marta Ortigão Sampaio, sobrinha da artista.

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