“Os homens têm uma opinião completamente errada sobre a sua posição na natureza – e o erro é incorrigível”. Somerset Maugham

É caso para olhar para a Austrália no mundo e o mundo perante a Austrália. Praticamente se toldam as palavras perante uma tragédia incomensurável como a que assola, há quatro meses, esse paraíso na terra e, nele e por ele, todo o mundo que tenha a sensatez de se empatizar e de se debruçar na solução desta crise atmosférica sem memória! Sinto-me australiano, mesmo sem o ser.

Desde criança que este é o meu país de sonho, de várias preferências, com o qual sempre sonhei e continuo a sonhar visitar. Um sonho que não se extinguirá como as chamas que já devoraram em demasia. Um sonho que, oxalá, conhecerá um dia o verde da esperança renascido naqueles enormes relevos e planaltos do menor continente terrestre, composto por florestas, cordilheiras, desertos e lagos. Menor apenas em tamanho – embora só a Austrália tenha de superfície 7.580.000 km2 (sem as ilhas limítrofes) –, contudo maior em toda a sua riqueza natural, social e cultural.

Por isso, esta desgraçada catástrofe (passando o pleonasmo) atinge-me como se fosse filho da mesma terra natal de Nicole Kidman, Nick Kyrgios, Margot Robbie, Hugh Jackman, Kylie Minogue, Alex O’Loughlin e Simon Baker, entre muitos outros. Só entre as suas celebridades já foram reunidos mais de 100 milhões de dólares. Mas não chega. É preciso fazer algo mais e em concreto, para que as matas e o planeta não voltem a arder assim, como quem sofre sôfrego por perder tamanha vida e vidas vividas…

Sejamos todos irmãos, unidos, nesta mesma dor de odor queimado e dissipado pelas alterações climáticas. Delas derivam o calor extremo que se faz sentir no território banhado pelo Índico e Pacífico – muito mais do que o habitual – e que faz propiciar e proliferar todo o género de conflagrações.

E, infelizmente, tal sucede também pela irresponsabilidade e inconsequência humana. Já que, segundo a polícia australiana do estado de Nova Gales do Sul e conforme veio a público, vários incêndios começaram em setembro de 2019 nessa região (a mais afetada de todas) “devido a faíscas lançadas por cortadores de relva” (em “O País” de 9/01/2020), que serão agora acusados criminalmente. Mais de 180 pessoas que foram indiciadas desde novembro “por começarem incêndios florestais”, adianta o mesmo órgão.

Choca-me que o nosso planeta esteja a viver amarguras terríveis, como uma preliminar grande guerra – especulação que se arrasta desde que Trump tomou posse – que invade a todo o momento o mediatismo dos media, em geral, e cujos factos têm agora coincidido mais temporal e incisivamente com este drama abismável na ilha dos cangurus e dos coalas. Que, aliás, ainda se mantém brutalmente: nas duas regiões mais a sudeste ainda deflagram cerca de 130 incêndios!

Mas é inadmissível que esta situação angustiante que os australianos vivem – e que implica o mundo global (veja-se a poluição acrescida do fumo desses incêndios que atinge já parte da América do Sul) – passe para plano secundário e não mereça maior e melhor atenção, com mais notícias atualizadas nas amplas redes de comunicação? Bem como informações de como ajudar na prática (teoria há cada vez mais). E isto só porque alguém – de muitos alguéns –, porventura, considere que “já é mais do mesmo” e/ou que “já não há nada a fazer”… É um desastre ecológico sem precedentes, nunca antes visto!

De igual modo e de modo afligidor, é completamente incompreensível constatar uma certa cobardia ou hipocrisia – como queiram chamar – de determinados Estado-governantes, entidades e empresas perante este flagelo que abala e que mata a natureza pior que bala! De que forma? Recorde-se, por exemplo, o caso paradigmático do incêndio na Catedral de Notre-Dame em Paris, em abril de 2019. Aí, uma série de individualidades e coletividades solidarizou-se e conseguiu angariar – quase de imediato – na ordem dos 900 milhões de euros para apoiar a respetiva reconstrução.

Muito bem, nada contra. Todavia, lembre-se que foi um valor 16 superior ao obtido para cobrir os estragos provocados pelo “ciclone Idai”, sucedido pouco antes no sul da costa africana, com prejuízos incalculáveis: mais de 1,5 milhões de pessoas afetadas, 600 vítimas mortais e mais de 60 mil casas devastadas! Está-se a repetir, novamente, o mesmo erro…

Claro que todo e qualquer monumento histórico-cultural tem interesse internacional e deve ser protegido como tal, mas custa-me muito a crer que uma nação devastada na sua natureza por erros humanos no descuido e falta de zelo ambiental não seja obrigatoriamente uma prioridade de interação no foco mundial… Vai-se deixar que a Austrália, uma das fundadoras das Nações Unidas, arda completamente?!

Onde estão os apoios e recursos chorudos (humanos e técnicos, que não somente financeiros) dos muitos magnatas, multinacionais e aliados ligados direta ou indiretamente a este Estado federal parlamentar, membro da Comunidade Britânica? Há aspetos essenciais no necessário reerguer desta nação que têm passado despercebidos e desligados da dupla normalidade: tanto do cidadão comum como do senso comum. A Austrália não é nem pode ser como Portugal, onde pouco ou nada se fez após os incêndios fatais de 2017 e que tiraram a vida a mais de 60 pessoas.

Não se trata de comparar, mas de depreender a escala dimensional e abrangente da situação. Segundo um ecologista da Universidade de Sidney – e para além das mais de 25 mortes humanas já confirmadas – a resposta à questão de “quantos animais morreram” será sempre incerta, mas o investigador estima que ela seja “mais de um bilião”. Sim, incrível, um bilião! Contando com mamíferos, aves, répteis e insetos.

E nesses números fala-se de um terço (ou pouco mais) de coalas mortos, face à população total desta espécie. São animais indefesos e pacatos, lentos na sua mobilidade, que não têm a destreza de um canguru, que salta rapidamente, ou de uma ave, que voa de imediato. Se o coala já era uma espécie considerada “vulnerável à extinção”, então agora – e segundo a National Geographic – a hipótese é mesmo de estarem “funcionalmente extintos”, embora não exterminada a espécie. Enfim, não há palavras…

Passando-se à ação, e com base num estudo realizado em meados de 2019 e então divulgado pelo canal BBC, sabe-se que existem atualmente no planeta cerca de 3 triliões de árvores (agora menos com a quantidade ardida desde então) e que são precisos 1,2 triliões de novas árvores para conter o aquecimento global! Se esta é uma solução, de que se espera?!

É ótimo que haja inúmeros defensores, ambientalistas, ONG, etc., à escala global, mas que esse ótimo não seja, aqui, inimigo do bom. Porém, questione-se: onde estão a crescer essas árvores necessárias em massa? E se são abundantemente plantadas e se crescem visivelmente, porque não constitui notícia constante…? Vai-se continuar a esconder a verdade nua e crua? Vamos querer que tudo isto se torne, realmente, um prenúncio fatal fazendo pairar de seguida a arrepiadora questão: “que país se segue? Quais as próximas vítimas mortais?” Ou vamos todos mobilizar-nos para renascer das cinzas conjuntas e defender verdadeiramente o ambiente da nossa casa-mãe Terra?

Não tenhamos dúvidas de que, como apontava Francis Bacon, “só se pode vencer a natureza obedecendo-lhe”. E não é isso que acontece, logo a fatura está a ser paga e bem cara, que nem todo o dinheiro do mundo pode efetivamente pagar! Perante este fogo imenso que destrói, queima e nos condói, fica o repto: “Sê verdadeiro, a natureza só alinha com a verdade” (Adolf Loos).