Atravessamos tempos difíceis e de muitas incertezas. As convulsões são tantas que até as oscilações bipolares do clima colocam em teste o nosso sistema nervoso. Desde os problemas internos até à ordem europeia e mundial, são muitos os focos de inquietação. Incapazes de resolver os problemas do globo, centramo-nos na solução da nossa equação individual. Ao longo de gerações habituamo-nos a pedir “saúde” e “trabalho”. Por esta ordem. Movidos, quiçá, por instalados espasmos sociais, fomos invertendo os elementos da fórmula que tínhamos como certa.

O objetivo primeiro passou a ser encontrar um emprego. Ultrapassada essa árdua tarefa inicial, outra importante etapa há a cumprir: obter um registo de descontos para a Segurança Social (feitos pelo “pai-empregador”, uma vez que a lei não confere maturidade ao trabalhador para os fazer, travestindo a entidade patronal na sua cobradora de impostos) por um período de seis meses. Após esta fase, para muitos empregados a meta está perto: a visita ao Centro de Saúde. Na consulta com o médico de família não conseguem explicar com clareza as suas queixas. São vagos os medos, expectativas, frustrações… que culminam na mais perigosa das viroses: a tristeza.  Essa condição manifesta-se através de sintomas “atípicos” e “exclusivos-de-cada-um”: dores de cabeça/barriga, suores quentes/frios, cansaço e uma incontrolável vontade de chorar. Face a tão “invulgares” sinais e incapaz de prescrever um medicamento para o vírus da angústia, o clínico não tem outro remédio que não o de determinar uma “incapacidade temporária para o trabalho”.

A mezinha não se avia na farmácia, mas é comparticipada pela Segurança Social – o organismo pago por todos, criado pelo Estado para assegurar condições de provisionamento e de vida a todos os cidadãos. Ao empregador resta desejar as melhoras ao “incapacitado” e arcar, solitário, com os prejuízos causados por essa ausência inopinada. Incapaz de também ela “meter baixa”, a entidade empregadora sofre com a privação de um trabalhador cuja “doença súbita” não deu tempo para passar a pasta e que tampouco pode ser substituído por outro. A inócua baixa do “elo mais fraco” da lei laboral compromete, assim, irremediavelmente, a “alta” de pequenas empresas.

É difícil isolar o elemento fraudulento nestes casos: o médico “acredita” no que lhe relata o paciente, porque muitas vezes não possui outros meios de diagnóstico, e o paciente “acredita” naquilo que relata porque sente um “sofrimento atroz”. As mesmas “crenças” obstaculizam as juntas médicas que, na dúvida, consideram que se alguém foi “pedir” uma baixa médica está já a dar um sinal claro de que dela precisa. Sabendo que apenas uma ínfima parte dos casos é fiscalizada, os números perturbam: todos os meses, em média, são apanhados 4680 trabalhadores de baixa que não estão doentes. Com efeito, enquanto nas ruas se multiplicam as manifestações pela globalização e se faz a apologia do “coletivo”, dentro de cada casulo opta-se, singela e egoisticamente, por se ir para casa descansar “onerando e desrespeitando os outros” com o argumento simplista de que “eles fariam o mesmo”.

É mister criar mecanismos que evitem que o médico seja “leviano” a considerar alguém “leviano” – evitando, assim, que a Segurança Social dê lugar a um “Manicómio Social” –  e que dotem o trabalhador de uma maior responsabilidade, sentido de empregabilidade, respeito por quem está realmente enfermo e destrinça entre o que é “doença” e “sentimentos”. Sem que tal seja visto como discriminatório, tal como sucede com os devedores do fisco, também as baixas médicas devem ser inseridas numa lista passível de consulta pelo putativo empregador, servindo esta como um elemento mais no processo de seleção e recrutamento. Para ofícios com funções mais exigentes, medidas mais rigorosas há que adotar, dado que, transtornos do foro psíquico não são compatíveis com a cabal atividade de médicos, juízes, forças de segurança, entre outros.

É tempo de curar a enferma lei laboral.