A banca habituou os seus clientes a uma permanência de serviços e de funções que, de um modo ou de outro, não mudou muito nos últimos 500 anos: à passividade das operações de angariação de fundos respondia com a atividade da prestação de créditos – numa continuidade que acabou na absoluta dependência do mundo moderno em relação ao sistema bancário. Mas tudo isso está prestes a mudar e já começou como afirma o economista Paulo Alcarva no seu mais recente livro, precisamente intitulado ‘Banca 4.0’. Em entrevista ao Jornal Económico, Paulo Alcarva é peremptório: “a banca universal está a acabar, se é que não acabou já” e tudo isso por via da digitalização, que já alterou profundamente os hábitos dos consumidores.
Esta alteração foi brusca e impossível de antecipar até há uns poucos anos atrás. Paulo Alcarva recorda que há pouco mais de uma década os bancos colocavam enorme esforço na proximidade com os clientes, multiplicando lojas e alterando profundamente as geografias das ruas das cidades. Mas às notícias de abertura de novos balcões – numa competição que em muito contribuiu para o colorido urbano, sucederam-se as notícias de sucessivos encerramentos, para espanto dos que tinham na visita aos balcões uma espécie de certeza de interação social.
Desde que os termos blockchain, criptomoeda ou crowdfunding entraram no léxico dos clientes – ou ao menos dos clientes que são leitores de jornais de economia – que a mudança se precipitou. “Transações em tempo real com uma brutal redução de custos e feitas através de um smartphone” são o futuro – que irá reduzir em larga escala as receitas da banca tradicional.
“Só o Santander, estima que estes instrumentos resultem numa quebra de receitas de 1,2 mil milhões de euros por ano”, recorda Paulo Alcarva – que adianta que a ‘nova’ banca vai passar a oferecer produtos standard para o publico em geral e instrumentos customizados (e caros) para quem esteja interessado numa “costumer experience”. Assim, na ótica do economista do Porto, até os próprios balcões vão ser alvo de alteração: serão divididos em três zonas: uma de entrada com as máquinas automáticas, depois uma outra maior onde os clientes poderão escolher os produtos bancários à sua disposição e finalmente uma terceira, quase particular, para as operações que de todo não podem ser feitas com o recurso a máquinas, “como sejam a organização de uma emissão de títulos” e questões do género, fechadas ao cliente comum.
“O digital não vai destruir os balcões, mas vai destruir o emprego”, afirma Paulo Alcarva, que afirma que, em Portugal, os bancos lidam com um cost income da ordem dos 65% em média – impossível e aguentar por muito tempo.
Mais fusões no horizonte
Ao impacto do digital vai somar-se, por outro lado, um novo processo regulatório decorrente de Basileia III (já em 2019) que irá alterar profundamente o processo de conceção de crédito – que tenderá a afunilar ainda mais, num quadro em que as imparidades e o mal-parado vão ter consequências tendencialmente catastróficas para os capitais das instituições financeiras.
Paulo Alcarva não tem dúvida que o crédito vai ser ainda mais afunilado que o que já é neste momento – ‘atirando’ os clientes para as mãos das novas soluções digitais, mais caras mas mais disponíveis para a sinistralidade dado não terem obrigações de capital. Da soma destas duas alterações em andamento, o economista afirma que “a banca precisa de um novo modelo de negócio para sobreviver.
E, nesse quadro, as fusões parecem ser o caminho certo para os próximos anos: o aumento de dimensão é uma solução que a banca está a observar com crescente interesse – até porque o Banco Central Europeu favorece precisamente essas concentrações: “quanto menos e maiores bancos houver, mais o BCE terá capacidade para controlar o sistema”.
Outro dado interessante é a inevitabilidade desta alteração. Até há bem pouco tempo (ou seja, já este ano), os reguladores faziam marcação serradas às soluções digitais que iam aparecendo no mercado. A própria Comissão Europeia deu nota de que os clientes dos bancos deviam abster-se de se aproximarem de operações em criptomoeda e do blockchain, sob pena de incorrerem em grave risco de perda de património. Os bancos assinavam por baixo.
Mas todo esse lado tradicional se apercebeu rapidamente que não havia nada a fazer e em pouco tempo a banca optou pelo plano B: ‘se não podes vencê-los, junta-te a eles’. Muitas instituições financeiras já têm neste momento no seu portefólio empresas fintech que estão a desbravar os novos caminhos dos bancos, na tentativa de manterem os proveitos ‘dentro de casa’. Os reguladores fazem o mesmo: a ordem não agora a de perseguir as novas tendências, mas sim a de as acomodar dentro de um quadro regulado – e principalmente passível de ser taxado, que nestas coisas o fisco é sempre quem mais ordena. Não é por acaso que a CMVM tem já um quadro regulatório – que está em evolução – que enquadra as operações de crowdfunding. Claro que a iliteracia bancária vai aumentar com esta verdadeira revolução no sistema, mas não há exemplo no mundo de que os saltos tecnológicos se apiedem dos que não os conseguem seguir.
Fundador da PA Management Consulting e Industry Fellow da Católica Porto Business School, Paulo Alcarva passou anteriormente pelo Banco Carregosa, Banco BPI e Instituto de Formação Bancária – Associação Portuguesa de Bancos. É também comentador de assuntos económicos nos mais diversos fóruns.