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Banco de Portugal aperta SIBS para tornar mais fácil outros players europeus entrarem no mercado nacional

O BdP quer assegurar a independência entre o processamento dos pagamentos e a entidade de pagamento. A SIBS vai ter que cumprir até fim de 2024.
  • Cristina Bernardo
27 Abril 2023, 18h15

O Banco de Portugal avança com duas determinações à SIBS no sentido de corrigir as distorções do mercado dos serviços de pagamento.

Uma é relativa ao preçário interbancário, já foi acatada pela SIBS e está em curso a correção. Foi criado um grupo trabalho com membros da SIBS e do Banco de Portugal para essa implementação e foi dado um prazo que é prorrogável a cada seis meses até ao fim de 2024.

O Banco de Portugal emitiu, em 2022, esta medida corretiva dirigida à SIBS FPS, determinando que os pagamentos de serviços, os pagamentos ao Estado e as transferências em caixas automáticos, incluindo as operações MB Way, são operações de pagamento baseadas em cartões, ficando, deste modo, sujeitos à legislação aplicável. A SIBS acatou essa medida e está em implementação.

Tudo porque foram encontradas desconformidades relativamente à classificação de algumas operações feitas com cartão. Pagamentos de serviços, pagamentos ao Estado, pagamentos em caixas automáticas e operações multibanco não estavam abrangidas pela legislação aplicada aos cartões e o BdP obrigou a SIBS a passar a classificar todas estas operações como operações feitas com cartões.

A outra determinação foi decidida pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal e está a decorrer o prazo de audiência de interessados (que termina hoje, dia 28). O Jornal Económico sabe que está a decorrer o prazo de resposta da SIBS à segunda determinações do Banco de Portugal (em face das desconformidades face ao regulamento europeu). Esta determinação do BdP é a que pode obrigar a uma alteração profunda do atual papel da SIBS nos pagamentos.

Em função das respostas da SIBS, o BdP emitirá uma decisão final. Esta nova determinação para que a SIBS corrija problemas ao nível da interoperabilidade do sistema e dos preços também avançará até ao final de 2024. Os prazos para a correção depende da complexidade que estiver envolvida para corrigir as desconformidades em quatro domínios (separação em termos de contabilidade, organização e processo decisório; interoperabilidade e utilização de normas criadas por organismos de normalização internacionais ou europeus; apresentação de preços de forma não agrupada; e aplicação de taxas de intercâmbio dentro dos limites definidos).

Esta nova determinação vai desconstruir a SIBS tal como ela hoje existe. Em causa está o facto de os novos players que entram no mercado não terem obrigatoriamente de contratar o processamento com a SIBS. Podendo apenas contratar com a SIBS a aceitação da rede multibanco.

O regulador da banca levou a cabo os trabalhos de verificação da independência entre os sistemas de pagamento com cartões e as entidades de processamento a atuar em Portugal, tendo sido identificados aspetos passiveis de correção pela SIBS FPS e pela SIBS MB em vários domínios. “Nomeadamente na separação em termos de contabilidade, organização e processo decisório entre ambas. Mas também decidiu que devem usar standards europeu para que exista interoperabilidade e utilização de normas criadas por organismos de normalização internacionais ou europeus (para que seja fácil outros players europeus entrarem no mercado nacional sem estar limitados a standards de proprietários)”, defende o supervisor. Os preços devem ser apresentados de forma não agrupada e devem ser transparente e as taxas de intercâmbio estão sujeitas a limites definidos por lei e têm de ser cumpridos.

O Banco de Portugal quer garantir que a entidade que gere o scheme Multibanco se encontra separada da entidade que faz o processamento. Neste momento há uma dependência, porque quem quiser contratar a aceitação de operações da marca Multibanco tem de contratar com outra entidade do mesmo grupo o processamento (bundling). Isto é, as fintechs que trabalham com outros processadores europeus quando chegam a Portugal dizem à SIBS que querem aderir ao scheme Multibanco porque querem colocar terminais de pagamento em pontos de venda, mas a SIBS agora obriga a que o processamento seja feito por ela e o BdP quer assegurar que essas fintechs podem aceitar operações do multibanco mas podem ter outros processadores que não a SIBS.

Onde esta dependência é mais forte para os novos players é na questão da interoperabilidade e nos preços. Tudo porque a SIBS desenvolveu, há muitos anos (quando não havia mercado único europeu), standards de proprietários (parte técnica do desenvolvimento dos cartões) e não usa os standards europeus (que usam a Visa e a Mastercard). O que vai acontecer agora é que a dona da rede Multibanco tem de deixar os standards proprietários e passar ficar sujeita à legislação europeia dos cartões.

Para além da questão da interoperabilidade do sistema e dos standards, há ainda a questão dos preços (havendo um bundling dos serviços) que também travam a entrada de outros players.

Os regulamentos europeus estipulam requisitos muito claros de separação daquilo que é a atividade da SIBS MB (detentora do scheme Multibanco) e a SIBS FPS que é a faz o processamento das operações com cartão.

Portanto como a separação é regra europeia, o Banco de Portugal obriga à separação.

O Banco de Portugal é a autoridade competente nacional para fiscalizar o quadro legal vigente na prestação de serviços de pagamento. É nesse papel que procura promover a remoção das barreiras à inovação e promover a segurança e eficiência no contexto do interesse público.

Nesse sentido o Relatório dos Sistemas de Pagamento revela o papel do Banco de Portugal na fiscalização do cumprimento dos requisitos de comunicação comum e segura e autenticação forte do cliente e na fiscalização da independência entre sistemas de pagamento com cartões e entidades de processamento (scheme Multibanco). O BdP tenta que não haja discriminação de IBAN. O banco central também fiscaliza o reporte de incidentes operacionais e de segurança de caráter severo e reporte de fraude.

É na atividade de fiscalização da independência entre sistemas de pagamento com cartões e entidades de processamento relativamente ao scheme Multibanco que aparece a SIBS.

O Banco de Portugal quer garantir, por um lado, que não há entraves à entrada de novos operadores mas também não quer criar disrupções ao sistema de pagamentos nacional, que podem ocorrer se surgirem desistências de alguns serviços por parte da SIBS e dos bancos, na sequência dessa entrada de novos players.

A rede multibanco tem mais de 80 serviços incorporados.

O tema não é de agora. Recorde-se que a anterior presidente da Autoridade da Concorrência chegou a alertar que “os cinco principais bancos são acionistas da SIBS, que concentra em si o acesso ao SICOI e o acesso aos dados de conta de quase todos os bancos em Portugal. O que em si é um entrave à entrada de novos operadores”. O SICOI é o sistema interbancário de pagamentos de retalho gerido pelo Banco de Portugal. Neste sistema são processados e compensados os pagamentos de retalho efetuados através de cheques, efeitos comerciais, débitos diretos, transferências a crédito, transferências imediatas e cartões bancários.

O SICOI é gerido pelo Banco de Portugal. O problema é que grande parte das infraestruturas tecnológicas que suportam o funcionamento do SICOI foram, por opção dos bancos, há 4o anos, desenvolvidas pela SIBS. Isto é, o SICOI funciona em soluções tecnológicas desenvolvidas pela SIBS. Portanto todas as operações de pagamentos com cartão multibanco são operadas pela SIBS, bem como os débitos diretos. A SIBS tem por isso uma relação contratual com o BdP que define obrigações da parte da SIBS. Não está em causa nenhuma alteração contratual sabe o JE.

Segundo disse já a AdC, os operadores FinTech necessitam de inputs cujo acesso depende dos incumbentes, tais como dados bancários dos clientes e infraestrutura bancária (SICOI), da SIBS. Atualmente estes operadores apenas podem aceder à infraestrutura bancária por via indireta, estando dependentes dos bancos.

“Os bancos incumbentes têm incentivos e capacidade para dificultar o acesso dos novos concorrentes a inputs essenciais à prestação dos serviços (por exemplo os dados de conta de pagamento e infraestruturas bancárias)”, alertou há uns meses a AdC.

“Não pode ser um sistema centrado na SIBS”, tem defendido a Autoridade da Concorrência que quer “um Open Banking realmente aberto a todos, porque muitos dos novos entrantes, neste momento, precisam de estar associados a um banco incumbente para ter acesso ao SICOI, o que significa que estão a ser criadas barreiras à entrada de novos operadores”, explicou na altura a ex-presidente da AdC, Margarida Matos Rosa.

(atualizada)

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