O caso da venda das barragens da EDP à Engie deixa inúmeras questões sem resposta, tanto na esfera jurídica como política. As quais devem ser esclarecidas, a bem do interesse público e da transparência no mercado.

A questão jurídica consiste em saber se a venda das barragens pode ser considerada uma reestruturação empresarial, como defende a EDP, ou se, pelo contrário, constitui o trespasse de uma concessão e está sujeita ao pagamento de imposto de selo no valor de 110 milhões de euros.

A forma como a operação foi realizada, com recurso a uma teia complexa de operações societárias, aponta no sentido de se tratar de facto de um caso de planeamento fiscal agressivo, cuja legalidade deve ser esclarecida por quem de direito. A linha entre “agressivo” e “abusivo” pode ser ténue, de facto, mas existe. A questão parece estar por isso destinada a arrastar-se durante anos a fio nos tribunais, com o Fisco a argumentar que a EDP foi longe demais e esta a defender a legalidade da sua atuação, à semelhança de qualquer outro contribuinte que procura reduzir os encargos fiscais.

Para já, teremos de nos contentar com o teste do pato: se um determinado animal se parece com um pato, nada como um pato e grasna como um pato, então provavelmente será mesmo um pato. O que não significa que o pato em questão seja necessariamente ilegal.

De facto, ao invés de simplesmente vender as barragens (que são imóveis), a EDP criou uma sociedade para onde as transferiu. O objetivo seria “maximizar o valor intrínseco dos ativos”.

Embora complexa, a operação conta-se em três atos: primeiro, a EDP cria uma empresa chamada Camirengia Hidroelétricos, para onde transfere as barragens; de seguida, vende a participação social neste veículo à Movhera I, do consórcio da Engie; e, por fim, a MovheraI incorpora a Camirengia, nascendo a Movhera II. Não sabemos se este processo permitiu “maximizar o valor intrínseco dos ativos”, mas não há dúvidas de que iria minimizar a carga fiscal, se tivesse passado despercebido.

Resta a questão política. Esta situação não teria sido possível sem o aval do Governo, nomeadamente do Ministério do Ambiente. Sem falar de outras questões, por que razão o Executivo permitiu que o negócio fosse feito desta forma, chegando ao ponto de assinar um aditamento ao contrato de concessão que previa que o novo concessionário das barragens passaria a ser uma empresa que na altura ainda não estava constituída e que teria um prazo de validade de apenas cem dias?

Algumas pessoas apontam o dedo à Agência Portuguesa do Ambiente (APA), mas esta não tem competências em matérias fiscais e, ao que tudo indica, foi a entidade pública que melhor se portou neste processo.

Se não vejamos: num negócio em que o Estado era parte interessada, ninguém no Governo suspeitou que a forma como a operação estava a ser montada poderia dever-se a uma forma de planeamento fiscal que prejudicaria o interesse público? Por que razão o Ministério do Ambiente ignorou os alertas do Movimento Cultural Terra de Miranda, que anda há meses a denunciar o negócio? E a Autoridade Tributária, que tem uma unidade de grandes contribuintes, não deveria ter acompanhado o negócio desde que saíram as primeiras notícias sobre a operação?