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Bastonário da Ordem dos Economistas: “Tributação mais uniforme permitiria aumentar poupança”

Rui Leão Martinho é o convidado do programa “Decisores”, que é transmitido esta sexta-feira, às 11h00, no ‘site’ e nas redes sociais do Jornal Económico.
26 Outubro 2018, 07h44

Que apreciação global faz da proposta do Orçamento de Estado para 2019 (OE2019)?

O OE é um documento que, ano após ano, atinge, por vezes, uma importância exagerada, porque há outras diplomas que o Governo apresenta e que são também importantes, como por exemplo, as Grandes Opções do Plano ou o Plano Nacional de Reformas. Tudo isto faz um todo. Na Ordem dos Economistas, fazemos sempre uma análise muito ponderada e organizamos uma conferência – este ano, será a 2 de novembro na Fundação Calouste Gulbenkian com o apoio do Banco de Portugal – num período relativamente calmo porque as nossas análises vão para além das análises mais imediatas. Isto é, comparamos com outros orçamentos e com previsões. Nestas conferências participam também as pessoas que elaboraram o OE, ou seja, os ministros e dos secretários de Estado.

Considera que este OE permite atrair o investimento produtivo de que o País precisa?

O investimento que é anunciado, em termos gerais, parece ser superior em volume do que o que estava previsto em orçamentos anteriores. Neste momento, estamos a analisar se, de facto, isso se verifica. Além disso, nós temos que aproveitar a questão dos fundos europeus. Portanto, existe a necessidade de investimento, que é preciso ter, acarinhar e atrair. Depois, há outros aspectos que se prendem com a concretização do investimento. Neste sentido,  penso que é muito importante haver estabilidade legislativa e fiscal, para não falar em determinados tipos de atrativos fiscais porque, neste momento, como se vê, já se começa a falar das questões do interior [do país], havendo um movimento de pensar que não podemos estar apenas no litoral.

No que diz respeito à carga fiscal sobre as empresas, considera mais importante haver um IRC mais baixo, que era uma aspiração antiga e que ficou congelada no tempo, ou ser previsível, como estava a dizer?

Tendo em conta a minha antiga experiência de presidente da câmara de comércio luso-alemã, aquilo que os investidores de língua alemã queriam era a estabilidade legislativa, fiscal e laboral. Por isso, creio que os governos que temos tido, assim como os governos que iremos ter, têm de compreender que a estabilidade é um ponto fundamental. Há outro ponto também importante e que se prende com a questão dos custos de contexto e de burocratização; mas esta questão está melhor. Há um terceiro ponto relacionado com a justiça. Recordo-me de inquéritos, de alguns anos atrás, quando os empresários respondiam que a sua principal preocupação era a falta de celeridade na justiça.

Por exemplo, o facto de saber que vão demorar muito tempo na cobrança de dívidas…

Exatamente, esse é um ponto fundamental. Já em relação ao IRC, que consistiu no acordo que foi alcançado em determinada altura e numa certa conjuntura, agora está congelado. Mas, poderá outra vez ser repegado.

Mas esperava que o OE2019 desse um passo nesse sentido?

Não. Mas estava à espera daquilo que acabou por acontecer com o PEC que, como se recorda, era uma aspiração dos empresários em geral. Digamos que não é o fim do PEC mas há uma nova interpretação das obrigações fiscais.

É um passo positivo?

Parece-me que é positivo para os empresários, mas é quase o único. Os empresários tiveram a preocupação de, ainda antes do OE2019 começar a ser elaborado, terem dado determinado tipo de sugestões para serem, ou não, concretizadas no OE2019. Estas aspirações não foram concretizadas, mas de qualquer maneira, isso não vai tirar a coragem e a energia aos empresários, que têm sido um elemento fundamental durante todo este período de crise. De qualquer forma, podemos fazer mais porque o investimento, nomeadamente o investimento produtivo, é muito importante para o país. Depois há outro tipo de investimento que temos tido, às vezes melhor, outras vezes pior, que é o investimento financeiro. Aí, também precisávamos de alterar a legislação no mercado de capitais, a legislação da bolsa, de forma mais atrativa.

Como é que vê a situação da bolsa portuguesa?

Vejo com preocupação desde há alguns anos porque as empresas têm abandonado a bolsa. O PSI20 tem sofrido muitas modificações e há muito a fazer nesse domínio. Sobretudo, o que há a fazer, é transmitir à população, aos aforradores e aos investidores que o facto de abrirem capital os pode ajudar. Mas isto tem de ser uma matéria muito bem trabalhada porque, apesar de tantos anos de bolsa, ela não tem sido muito entusiasmante.

Isso tem a ver com o excessivo peso da banca como opção de financiamento das empresas.

Sim, tem de ver com o crédito e as facilidades que agora são menos. É a altura certa para trabalhar no mercado de capitais, como os ingleses ou os americanos, que descobriram um meio de se financiarem com a abertura de capital das suas empresas.

Voltando ao OE2019, em relação aos impostos sobre as famílias, causou alguma polémica o facto de os escalões do IRS não serem atualizados de acordo com a inflação, o que significa que em alguns casos haverá um aumento da carga fiscal. Este Governo poderia ter explicado melhor certos aspectos que parecem que ficam escondidos?

Dentro da Ordem, a grande preocupação consiste nos impostos sobre as empresas. Se queremos valorizar o trabalho, o sistema de progressividade dos impostos não é o mais adequado. Tenho dado exemplos aos meus alunos de países em que essa progressividade é muito aliviada e se torna numa forma de tributar mais uniforme, ou mais flat, sobre os rendimentos de cada um. Isso permite que os rendimentos mais baixos paguem relativamente pouco e, aqueles que têm rendimentos maiores, também possam ter determinada aplicação para esses mesmos rendimentos.

Ou seja, é um incentivo à poupança.

É um incentivo à poupança. E aí joga num ponto que é fundamental: é que a poupança, seja de famílias, seja de empresas, é diminuta em Portugal. E tem vindo a reduzir-se. Não se explica apenas através das crises. Já tivemos três crises com intervenções externas e o nível de poupança nunca foi tão baixo.

Uma taxa mais plana sobre os tributos individuais seria uma forma de estimular a poupança?

Exatamente, conjugando com outra forma de aplicação da poupança que também é preocupante – a poupança para a reforma. Há pessoas que chegam à reforma, com os quarenta anos, como se fala, mas a maioria anda pelos 27 anos quando se reforma, que dá uma pensão de reforma bastante diminuta. A pessoa que não se serviu de um mínimo de poupança ao longo dos trinta anos fica dependente daquele valor. Pode ter uma obrigação, eu não diria que seja um novo imposto ou uma nova taxa, mas haver uma obrigação por parte dos trabalhadores de começarem a pagar pouco e, depois, à medida que os anos vão passando e o trabalhador vai evoluindo na sua carreira, chega a um ponto em que, no fim, tem um fundo que lhe serve de complemento àquilo que o Estado não lhe pode pagar.

A propósito deste OE, há uma expressão que tem sido utilizada e que é “os salários indiretos”. É correto falar em salários indiretos, ou seja, é suposto o Estado dar-nos um “salário” na forma de descida dos preços da energia e outras contrapartidas?

Não sei se pode e não sei se as pessoas o entendem assim. Numa empresa, quando esta pode conceder determinado tipo de benesses aos seus trabalhadores, as pessoas nem sempre compreendem, a não ser que se lhes faça a comunicação, no final de cada ano, tudo aquilo que foi salário indireto e, por exemplo, o seguro de saúde ou outro tipo de complementos. Aí, haveria uma compreensão de que existe um salário indireto.Este OE tem sido acusado

pela oposição de ser eleitoralista. Considera que é um orçamento a pensar nas legislativas do próximo ano?

Não gosto de, enquanto bastonário, adjectivar os orçamentos. É um orçamento de continuidade, que segue o que foi aprovado pelos três exercícios anteriores, que é conseguirmos chegar ao tal défice perto de 0%. Isso não é de menor importância. Repare que tivemos sempre défices durante todo o período do pós-25 abril. Qual é o grande problema que continuamos a arrastar? É a dívida. O montante da dívida é muito grande e temos que fazer um trabalho contínuo de diminuição, porque está a comermo-nos recursos.

A economia tem de crescer, para poder diminuir a dívida?

Exatamente. As duas coisas condicionam-se imenso. Quando veio a troika, até 2011, vimos logo que no documento que veio da troika que não havia preocupação com o crescimento. Havia preocupação com determinado tipo de correções, algumas que foram feitas, mas e o crescimento?

Foi o grande erro do programa de ajustamento?

Foi uma falha. O crescimento é exatamente aquilo que nos pode fazer crescer, aquilo que nos pode fazer desenvolver, criando riqueza. Precisamos de aliviar um pouco a carga da dívida pública e entregarmos parte dos nossos recursos no sentido do desenvolvimento, do investimento e essa dupla preocupação “dívida e crescimento” acompanha-nos há muitos anos. Temos que nos dedicar nos próximos anos a diminuir a dívida pública, não é por o critério de Maastricht representar os 60% do PIB como medida ideal máxima, mas é por ser uma questão vital. Se conseguirmos passar do que temos para 70% ou 75%, teremos uma libertação muito grande e uma capacidade de aplicar os recursos de outra forma.

O investimento público tem sido sacrificado para atingir as metas orçamentais?

O investimento público já diminuiu há uns anos por motivos vários. Neste momento, neste orçamento fala-se novamente num aumento significativo do investimento, mas para vermos isso temos que ver a execução. Agora, é o orçamento apresentado, há a generalidade, a especialidade e a execução. A execução é muito importante.

Uma das críticas que tem sido feita são as cativações e as dívidas aos fornecedores de hospitais, por exemplo. É uma política que terá que mudar em breve, devido ao risco de os serviços públicos atingirem o seu limite?

À partida, se tivéssemos esta conjuntura macroeconómica que falámos sem nenhuma outra interferência talvez, mas pode haver os tais riscos externos. Esses riscos externos podem alterar todo este quadro. É um ano de 2019 arriscado.

O dinamismo tem sido alavancado no crescimento  do turismo e na procura externa. Em que medida é que um arrefecimento neste setor terá impacto para a economia portuguesa?

Espero que não haja esse arrefecimento tão depressa, enquanto não tivermos o tal crescimento produtivo num volume relativamente importante, precisamos do que temos: o turismo e o aumento das empresas que exportam. No turismo, há realmente já um arrefecimento na zona de Lisboa, mas não há noutras zonas. Não há no Algarve, não no Porto. Pelo contrário, até há um acréscimo. Vamos esperar que esse arrefecimento não se dê tão depressa, porque precisamos ainda muito do turismo.

Mas nesse cenário, as cativações serão a arma que o Governo terá que usar para cumprir as metas orçamentais?

Poderá ser, depende também qual a evolução das receitas que terá nesses sectores. Se a evolução for positiva, é evidente que vai reduzir a necessidade das eventuais e potenciais cativações que poderá vir a fazer. Se, por acaso, houvesse esse arrefecimento ou houver a intervenção de outro tipo de risco – destes que estamos a falar, ou de outros -, então aí o Governo, seja o português, seja outro, têm que lançar outro tipo de soluções. A questão de pagar no prazo, de não ter dívidas acumuladas, cativações como regra era importante para um país que neste momento está a sair de uma crise e está de novo a entrar numa área de crescimento.

Um dos setores também muito ligado ao turismo é o do imobiliário. Como é que vê as alterações à lei nesta área?

Essas alterações ficam um pouco dentro da questão da estabilidade legislativa. Temos que assentar numa estabilidade, seja em que setor for. Não podemos estar um ano a fazer uma legislação e depois no ano seguinte outra. Isto é muito mau, afasta os investidores. Em Portugal, as coisas têm corrido bem e tem sido uma boa ajuda, ao lado do turismo, ao lado dos golden visa. A economia tem que fluir normalmente para permitir que o tal crescimento que falamos seja uma coisa sustentável e contínua. Não pode ter hiatos.

Seria importante estabelecer um pacto de regime para uma estabilidade do sistema fiscal?

Talvez, os pactos de regime podem ser uma boa solução ou podem não ter depois uma aplicabilidade que se veja. De qualquer modo, é sempre possível alargar os consensos e a sociedade tem que viver de consensos, não pode viver de confrontos. Vemos que os confrontos dão sempre num retrocesso na economia, no crescimento, problemas de desemprego, arrasta tudo. Esse consenso era possível. Às vezes há umas dificuldades que eu não consigo entender porque, à partida, as ideias de muitas partes são muito semelhantes. A segunda razão é a questão fundamental de dar a tal estabilidade de legislatura para legislatura, porque esses pactos de que fala, a grande vantagem é que durante dois ou três governos temos a mesma política aplicada.

Esta semana a UTAO mostrou algumas reservas sobre as previsões do Governo para o défice. O ministro das Finanças já veio afirmar que não existe um défice escondido. O que é que pode explicar a discrepância?

Em termos de sociedade portuguesa, acho sempre que é uma grande vantagem haver escrutínios. Escrutínios da sociedade civil, que não são muitos, e escrutínios de organismos como a UTAO ou o Conselho das Finanças Públicas. Isto significa que há uma maior exigência naquilo que orienta a nossa vida, neste caso, o orçamento. O que eu li nos jornais é que existem alguns dados que não eram confirmados pela UTAO. Se há esta discrepância no que é que ela assenta? Explicá-la bem, temos que ser rigorosos. Se há, há que corrigir, mas com certeza que vai ser fácil chegar a esse acordo.

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