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Benefício do IVA zero “será praticamente nulo” a curto-médio prazo

Governo assinou acordo para evitar que alívio do IVA nos bens essenciais fosse absorvido, mas especialistas da EY alertam que “é inevitável” que a baixa fiscal seja engolida, nomeadamente pelo aumento dos fatores de produção.
5 Maio 2023, 08h30

Apesar do acordo celebrado pelo Governo com a produção alimentar e com a distribuição para que a redução do IVA dos bens essenciais tenha mesmo reflexo no preço oferecido ao consumidor, os especialistas da EY avisam que a eficácia dessa medida pode ser reduzida e antecipam que o seu efeito será “tendencialmente consumido”, ao longo do tempo, pelos aumentos dos fatores de produção e dos demais custos de contexto. O desfecho vivido em Espanha – país onde em poucas semanas a redução do imposto deixou de significar preços mais baixos nas lojas – é, portanto, inevitável também em Portugal, sinaliza Amílcar Nunes, partner da referida consultora, na área de impostos indiretos.

Depois de meses a recusar baixar o IVA dos bens de primeira necessidade, o Governo de António Costa anunciou no final de março que iria avançar nesse sentido, explicando que seria celebrado um acordo com a produção e a distribuição para garantir que o alívio fiscal não seria absorvido pela cadeia antes de chegar ao preço ao consumidor. Essa medida chegou ao terreno a 18 de abril e, segundo a Deco Proteste, levou a uma redução de alguns dos bens alimentares essenciais. Amílcar Nunes, da EY, não está, porém, otimista quanto ao futuro do IVA zero, salientando que “dificilmente” a poupança continuará a ter repercussão. “Acredito que o mesmo que se passou em Espanha, inevitavelmente, terá igual reflexo em Portugal. O efeito da medida IVA zero será tendencialmente consumido pelos aumentos dos factores de produção e demais custos de contexto”, realça, em declarações ao Jornal Económico. “No curto-médio prazo, e tal como em Espanha, acredito que o benefício do IVA zero será praticamente nulo”, acrescenta.

Na opinião deste partner, a redução do IVA peca também por abranger todos os agregados familiares, isto é, quer as famílias com rendimentos mais modestos como aquelas cujos rendimentos são mais expressivos. “Acaba por ser uma medida não direcionada para as famílias que, em bom rigor, poderão estar a ser mais afetadas, em termos de perda real do poder de compra”, sublinha. A Comissão Europeia tem aconselhado os países a irem retirando as medidas desenhadas em resposta à inflação e a irem direcionando com cada vez maior precisão os apoios que continuem disponíveis. Tal contrasta, como refere Amílcar Nunes, com a decisão de reduzir o IVA, o que poderá beneficiar qualquer consumidor.

Assim, o especialista da EY na área de impostos indiretos recomendaria, em alternativa: “uma redução do IVA na electricidade, por exemplo, teria um impacto muito maior, quer ao nível dos consumidores, quer ao nível dos produtores”. No entanto, Amílcar Nunes reconhece que uma medida dessa natureza teria um “impacto muito maior em termos de receita fiscal do que o custo previsto para o erário público com a medida do IVA xero”. O Governo prevê que a redução do IVA terá um impacto orçamental de cerca de 410 milhões de euros, aos quais se somam 140 milhões de euros destinados a apoios à produção agrícola.

O IVA zero – que abrange 46 produtos, das frutas à carne, passando pelos iogurtes – ficará no terreno durante seis meses. O primeiro-ministro, António Costa, já avisou que, se esta medida não tiver efeito no orçamento dos consumidores, está aberto a voltar às negociações.

Nova contribuição sobre alojamento local pode ser ilegal
Poucas semanas antes de ter indicado que iria baixar o IVA dos bens essenciais, o Governo tinha já apresentado um outro conjunto de medidas para apoiar os portugueses a enfrentarem, nesse caso, a crise que se vive no mercado de habitação. Desse pacote, constam várias medidas polémicas, nomeadamente uma nova contribuição extraordinária sobre o alojamento local (CEAL). Ao Jornal Económico, Ana Luísa Basto, senior manager da EY, na área de impostos indiretos, avança, contudo, que essa medida não só é complicada como “aporta dúvidas práticas que denunciam a sua potencial ilegalidade e inconstitucionalidade”.

Vamos por partes. O primeiro reparo da especialista prende-se com o valor que servirá de base à nova contribuição. “A CEAL irá incidir sobre um valor que resulta da aplicação, por um lado, de um coeficiente económico do alojamento local, que assentará no rendimento médio anual, por quarto disponível, apurado pelo INE (e, por isso, não assentará na faturação efetiva e real), e, por outro, de um complexo coeficiente de pressão urbanística”, explica. “Ora, o valor sujeito à CEAL baseia-se em rendimentos presumidos e não em rendimentos reais, o que contraria o princípio da tributação pelo rendimento real”, atira Ana Luísa Basto, que avisa, assim, que o rendimento efetivamente recebido pela atividade de alojamento local pode ser inferior à estimativa que servirão para apurar o valor tributável. “Neste sentido, este novo tributo poderá ferir o princípio da capacidade contributiva”, sublinha.

Por outro lado, a senior manager questiona o período escolhido para a contribuição que será liquidada em 2024. “Serão considerados os dados do INE referentes ao ano de 2019. Esta referência a rendimentos presumidos no passado não só agrava mais o caráter presumido dos mesmos, como também poderá levantar dúvidas em matéria da retroatividade da lei fiscal”, defende.

Amílcar Nunes também tem críticas relativamente a esta medida, considerando que será um “travão significativo” ao investimento no sector. “Já são poucos os sectores que não têm de pagar uma contribuição extraordinária ou, pelo menos, aqueles que têm capacidade de a pagar e ainda gerar um nível mínimo de rentabilidade para os seus operadores”, começa por observar o especialista, frisando que esta nova contribuição nasce “envolta em polémica”, não só no que diz respeito aos pressupostos em que assenta o cálculo, mas também ao valor da taxa. Inicialmente, esteve previsto que a nova contribuição seria de 35%, mas acabou por ser aprovada um tributo de 20%. “Tornou a nova contribuição menos penalizadora para o alojamento fiscal, mas é um travão significativo para o investimento no sector”, insiste Amílcar Nunes.

Por outro lado, o especialista salienta que a previsão da suspensão de novos registos de alojamento local que também ficou prevista no referido pacote de resposta à crise da habitação fez antecipar as decisões de investimento de inúmeros operadores, o que explica o disparo dos pedidos de licenciamento. “As condições de mercado, entre outros fatores e circunstâncias de contexto, ditam as decisões de investimento. Neste caso, o eventual futuro enquadramento legislativo acabou por precipitar os novos pedidos de licenciamento, por receio ou incerteza das condições que poderão determinar uma maior ou menor rentabilidade do investimento realizado, ou ainda a sua inexistência por impossibilidade de licenciamento do alojamento”, esclarece.

Casas de férias em risco?
Por efeito desta nova contribuição sobre o alojamento local, Ana Luísa Basto antecipa também um “risco sério” de os apartamentos localizados em zona de veraneio “serem ilegalmente afetos à exploração turística”. “Os apartamentos localizados em zonas de veraneio estão naturalmente vocacionados para alojamento temporário com finalidade turística e não para o arrendamento, pelo que este facto dificultará os municípios, em parceria com a Autoridade Tributária, na tarefa de rastrear as ‘camas ilícitas’ para férias”, alerta.

A senior manager vai mesmo mais longe e diz que, se a criação do regime de alojamento local permitiu acabar com o mercado paralelo de camas “que existia, designadamente, na região do Algarve”, esta nova penalização poderá determinar um retrocesso em matéria de regulamentação desta franja da atividade turística. Os municípios – em particular, aqueles que integram a região litoral –, afirma, “terão aqui um papel fundamental” e serão eles que poderão limitar a aplicação da penalização.

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