A tradição política portuguesa é avessa a novos partidos. Desde a fundação da democracia que a estabilidade do sistema é garantida pelos mesmos partidos. Tivemos a excepção temporária do PRD, um partido que, à semelhança do actual Aliança, surgiu ancorado numa figura com capital político próprio, e que não se conseguiu prolongar no tempo com outros protagonistas.

Aqui e ali, surgiram fenómenos mais ou menos populares, todos de curta duração e fraca expressão. Foi o caso do partido dos reformados, muito conjuntural e de temática restrita. Seria de pensar que o PAN poderia representar um destes fenómenos, uma válvula de escape conjuntural. Afinal, parece ter condições para ser mais que isso.

A crispação política e social resultante da solução encontrada por Costa e pela esquerda radical para ocupar o Governo do país, em contraste com o desacerto e ineficácia da oposição, deixou muita gente decepcionada com a oferta disponível dentro do sistema. Assim cria-se a tempestade perfeita para um partido como o PAN poder prosperar. Toda a gente normal gosta de animais, toda a gente sensata está preocupada com o ambiente.

O PAN teve a arte de aparecer como o partido Melhoral, não faz bem, nem faz mal. Uma coisa opaca de onde o eleitorado depreendeu intenções benignas e generalidades simpáticas. Num momento de justificada saturação, estava ali um ponto de fuga que descansava consciências e aliviava compromissos mais sérios. Particularmente entre os jovens, a coisa tinha tudo para funcionar bem; um voto à espera que o sistema se reordenasse e estabilizasse. Um voto a obrigar a pôr questões importantes na agenda principal, como o ambiente.

A questão grave e séria é que o PAN não é nada disto. De benigno não tem rigorosamente nada, e quanto mais o conhecemos, mais nos assustamos. Do ponto de vista da gestão do poder, André Silva fez informalmente parte da geringonça em quatro anos de alinhamento incondicional com Costa, gerindo com eficácia a possibilidade de uma rápida ascensão à influência real da governação.

É legítimo, e é o foco primeiro de cada partido, o que não quer dizer que seja bom para o país e para o regime democrático. A farsa desmoronou-se com o excesso de confiança e com a ilusão de que os portugueses, por terem encarado o PAN como uma via de fuga, estariam em linha com o que realmente pensa o partido. Felizmente, hoje há um programa eleitoral do PAN público e publicado. Felizmente, hoje é mais difícil o PAN ser visto como um grupo inócuo e bem intencionado.

Logo no início do seu manifesto, o PAN afirma sem cerimónia que quer mudar a mentalidade dos portugueses. Qualquer partido democrático quer interpretar a mentalidade do povo, interagir com a cultura dominante e construir numa conjugação virtuosa de esforços um caminho de progresso social.

O PAN não quer nada disto, tem um projecto para pôr o povo a pensar e agir como o PAN quer. Como se vê pelo detalhe do programa eleitoral que cometeu o descuido de dar a conhecer, o PAN quer regular cada milímetro da nossa vida de acordo com a sua fúria radical. Quer juntar criminosos e as suas vítimas em sessões zen, quer determinar o que nós e os nossos filhos podemos comer, como exemplos mais escancarados, mas, no fundo, quer mudar a ordem social e relativizar a dimensão do humano na organização do Estado.

Confesso que a incursão pelos princípios e programa do PAN se constituiu numa viagem assustadora, a lembrar o que de mais tenebroso os grandes “educadores e visionários” produziram no século passado.

O homem é o centro da criação. Toda a ecologia sã visa cuidar do planeta garantindo uma casa comum no longo prazo para a humanidade em equilíbrio. Relativizar o papel do homem, pondo-o em comparação com os chimpanzés e outros animais, é uma perigosa loucura de consequências imprevisíveis. A simples troca de conceitos, bradando pelos direitos dos animais, em vez de exigir o cumprimento dos deveres do homem perante estes, é um intencional despojamento do homem como o único sujeito central de direitos, alienando-os em pé de igualdade para os animais.

A agressão de animais é um crime por incumprimento do dever de quem o pratica sobre algo que implica responsabilidades do autor. Por muito carinho que tenhamos pelos nossos cães e gatos, não são sujeitos de direitos equiparáveis a um ser humano. Por muito que gostemos da natureza, é absolutamente ridículo andar a exigir que as árvores sejam abatidas apenas quando não haja outra solução e cumprindo os procedimentos de menor sofrimento possível; sim já ouvi isto a gente do PAN!

Sabemos, como o PAN diz, que o tofu não grita, mas queremos ter o direito de continuar a comer carne e peixe numa alimentação equilibrada e em liberdade. É bom que percebamos que ao ridículo se junta o perigo latente em qualquer totalitarismo, antes de acabarmos a capitular perante o sofrimento presumido de um qualquer brócolo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.