A presidência de Biden não se afigura fácil, nem no campo interno nem externo. Os desafios no plano externo são imensos. A lista de assuntos é longa. À cabeça de todas as preocupações vêm as relações com a China, as quais arrastam consigo temas de elevada complexidade. Num momento de grande expetativa, interrogamo-nos sobre o que vai Biden fazer com a China diferente de Trump, após reiterar a intenção de ser duro com Beijing, e quando não se registaram alterações essenciais no pensamento das elites políticas americanas sobre o assunto.

No afã legislativo dos seus primeiros três dias de Casa Branca, Biden assinou uma ordem executiva intitulada “comprar americano”, com a qual pretende que as agências federais adquiram apenas produtos e serviços americanos, garantindo assim que “quando o governo federal gasta os dólares do contribuinte, eles são gastos em produtos feitos nos Estados Unidos, por trabalhadores americanos e com componentes de fabrico americanos”. Com esta iniciativa, Biden procura contribuir para a criação de empregos na América, contrariando as perdas verificadas na indústria americana, nas últimas décadas, em benefício das economias asiáticas, resultado da globalização.

Interrogamo-nos se esta iniciativa se reveste apenas de uma carga simbólica, ou se é indiciadora de uma política a ser brevemente anunciada. O conteúdo da ordem executiva encontra-se alinhado com o conteúdo de outras declarações de Biden e de membros da sua equipa. Em contexto de campanha eleitoral, Biden afirmou ser objetivo da sua presidência “reconstruir a capacidade de fabricação doméstica”, e restaurar nos EUA as cadeias de abastecimento, desde semicondutores a produtos farmacêuticos. Veio inclusivamente, defender multas para as empresas que transferissem empregos para outros países.

Parece que a gestão do compromisso entre custos internos de produção e comércio livre se tornou tremendamente difícil para as administrações americanas. Trump defendeu abertamente o decoupling, Biden parece que não. Teremos ainda de perceber o seu plano para conciliar as forças da globalização (Wall Street e Silicon Valley que adorariam continuar o “business as usual” com Beijing) com uma política industrial nacionalista; e como vai encaixar essa opção de política industrial com a anunciada oposição ao decoupling, que considera irrealista. E como é que aquelas opções se inserem na interdependência económica subjacente à globalização?

Este debate vai ser determinante na definição das futuras relações económicas não só com a China, mas também com os países asiáticos. Sobretudo, após a celebração da Regional Comprehensive Economic Partnership, um acordo de comércio entre a China e 14 países asiáticos, assente na interdependência económica e na globalização.

Tudo indica estarmos perante uma visão de política económica diferente da de Trump, ainda assim com evidentes toques protecionistas. Ao afirmar que “não apoiamos acordos comerciais apenas com o fundamento de que é sempre melhor mais comércio”, Biden parece sentir-se tentado a rescrever algumas das “regras” da globalização que sempre defendeu, e propor-nos uma globalização à la carte, que sirva os interesses dos EUA. O projeto para reconstruir a indústria fabril americana de Trump falhou, ficamos na expetativa de ver qual será o resultado do plano de Biden.