A expressão “bode expiatório” remonta ao Livro dos Levíticos, segundo o qual Abraão põe as mãos sobre a cabeça de um bode e transmite-lhe todos os pecados do povo de Israel. No sentido bíblico, é uma prefiguração simbólica da assunção de culpa coletiva para expiação ritualística. No sentido comum, popularizado por milénios de tradição cultural, o bode expiatório é quem fica com as culpas de algo cometido por outrem. Uma vítima, portanto, já sem qualquer resquício da nobreza matricial do bode bíblico que transportava para o deserto os pecados do povo hebraico.
Infelizmente, temos visto ultimamente demasiados bodes expiatórios na esfera pública às mãos dos nossos governantes. E quando há vítimas, há abusadores.
Lembro-me de Nuno Crato que, no caos do concurso de professores, encontrou os seus bodes expiatórios – um diretor geral e um secretário de estado. Lembro-me de Paula Teixeira da Cruz e a tragédia do Citius, que disparou em todas as direções, acabando por acertar mortalmente (em sentido figurado, claro) no presidente do seu IGFEJ, como já referi aqui nas páginas desta coluna.
Também agora o secretário de Estado da Cultura (SEC), que é uma espécie de diretor-geral que despacha com o Primeiro-ministro, recorreu a esta figura bíblica na sua versão contemporânea: demitiu o Conselho de Administração (CA) do OPART (Teatro Nacional de São Carlos) acusando-os de terem elaborado mal o contrato do consultor artístico Paolo Pinamonte, quando, afinal, o dito contrato terá sido feito no seu próprio gabinete, previamente negociado com Pinamonte e enviado para efetivação, por email, para o CA do Teatro São Carlos.
Já desconfiávamos todos disto, mas agora temos a confirmação: circula na net o email em que o SEC envia o contrato de Pinamonte para o CA do OPART. Preto no branco, sem margem para dúvidas.
E não há consequências, porque tudo é possível neste governo de gente sem qualidade, sem princípios e sem honra.
Gabriela Canavilhas
Pianista, deputada e ex-ministra da Cultura