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Brasil: “A imprensa não tem dado a devida cobertura a Bolsonaro”

Em entrevista ao Jornal Económico, o investigador Fernando Montenegro, que fez parte do Exército brasileiro e integra atualmente o grupo de pesquisas do Observare, defende que é preciso desmistificar os preconceitos em relação ao pré-candidato.
31 Março 2018, 16h10

Jair Bolsonaro, o pré-candidato a presidente no Brasil, próximo da extrema-direita, tem vindo a conquistar o eleitorado, com as suas políticas de mão firme e pouco comodismo. A contribuir para o ‘fenómeno Bolsonaro’ está a onda de criminalidade violenta, que há vários anos assola o Brasil e que se tornou o tema do momento depois do brutal assassinato da ativista Marielle Franco.

Ao Jornal Económico, Fernando Montenegro, que faz parte do Exército brasileiro e integra atualmente o grupo de pesquisas do Observare, defende que é preciso desmistificar os preconceitos em relação ao pré-candidato. Fernando Montenegro considera que a esquerda e a imprensa brasileira estão unidas para derrubar o candidato – rotulado de homofóbico e misógino por muitos – através das fake news. O militar, que chegou à patente de coronel, lembra ainda que no âmbito da megaoperação Lava Jato, Bolsonaro é possivelmente um dos únicos candidatos que tem a ficha limpa.

Nesta entrevista feita por escrito, o coronel, na condição de reserva remunerada, fala ainda sobre a criminalidade violenta e a sua impunidade. Acrescenta ainda que Lula da Silva foi fortemente prejudicado pelo seu envolvimento em escândalos de corrupção, o que lhe pode vir a custar votos nas eleições de outubro. Bolsonaro é o segundo candidato que reúne mais intenções de voto nas sondagens. Fernando Montenegro descreve-o como “um oportunista, sortudo (ou inteligente, ou ambos), produto do seu meio”.

O que explica a escalada de violência no Brasil e, em especial, o confronto das autoridades policiais com as organizações de crime organizado?

O crescimento da criminalidade no Brasil tem nome e sobrenome: Impunidade escancarada. O custo de oportunidade de se cometer crimes no Brasil é baixíssimo. A possibilidade de um criminoso ser apanhado é inferior a 5% (inverso de Portugal). Apenas 5 a 8% dos homicídios tem autoria desvendada. Nota que, de 2002 a 2015 foram quase 800 mil, portanto, os crimes com autoria esclarecida foram uns 70 mil.

O crime só se organiza se lhe dermos espaço. No Brasil o espaço foi dado por autoridades corruptas, que lucraram (dinheiro ou votos) com o descaso e também pelos ‘esquerdopatas’ e sua constituição cidadã, mais as leis complementares e ordinárias de mesmo calibre, fortes em direitos humanos e fraca em deveres humanos. Disso resultou a escalada da violência. Tendo se organizado, ganharam força e audácia e hoje enfrentam as polícias abertamente.

Ao ano, ocorrem mais de 60 mil mortes intencionais violentas no Brasil. Esse número é igual ao da bomba atómica de Nagazaki. A impunidade é a grande mola propulsora da criminalidade.

Jair Bolsonaro tem vindo a conquistar apoio entre os brasileiros devido, sobretudo, às suas políticas no que toca a questões de segurança. O que se pode dizer desta situação?

Falar apenas de desarmamento é uma visão muito simplória do [Jair] Bolsonaro, que tem liderado várias pesquisas de intenção de voto. Muita gente acha que Bolsonaro é um Trump piorado e que vamos ter problemas a toda a hora se ele for eleito. Consideram que ele não agrega, que vai dividir ainda mais o país e que representa o efeito do purgante da atual crise do Estado no Brasil. Esse é o pensamento de muitos ligados ao meio académico, à esquerda e poucos empresários ou profissionais liberais com quem tenho conversado e pesquisado.

Bolsonaro está na política há cerca de 30 anos e foi o deputado federal mais votado no estado do Rio de Janeiro nas últimas eleições. Apesar da imprensa não gostar dele, assim como a esquerda, o que mais o caracteriza não é o discurso sobre o armamento, é a honestidade, que é tratada com tom de escárnio e desprezo pelos rivais políticos. Bolsonaro entrou na política sem padrinhos, ele é o exército de um homem só, mas ultimamente representa a vontade de muita gente em romper com o sistema viciado na corrupção e, na opinião de muitos, ele assinala ser o único com coragem moral para isso.

Com o escândalo da Operação Lava Jato, mais de 400 parlamentares foram identificados como corruptos e nada apareceu contra ele nesse tsunami.

Ele fez vários discursos polémicos no passado e os rivais políticos de esquerda aproveitaram para colar nele rótulos de belicista, racista e homofóbico. Prestando atenção nos discursos mais antigos dele, observa-se que se excedia nas emoções e faltava polidez – o mesmo fenómeno ocorria com Lula nas primeiras vezes que concorria em 1989. Entretanto, os últimos discursos (veiculados em redes sociais) têm sido bem mais equilibrados e coerentes, por isso, a sua popularidade está a crescer bastante.

Bolsonaro é um oportunista, sortudo (ou inteligente, ou ambos), produto do seu meio.

Uma das medidas que o candidato presidencial tem vindo a defender é a flexibilização da posse de arma. Acha que essa poderia ser uma maneira eficaz de resolver o problema da criminalidade no país?

Muitas vezes nem a polícia tem poder de combate para encarar o narcotráfico. Por outro lado, militares e policiais estão literalmente a ser caçados pelos bandidos. O Estatuto do Desarmamento, criado em 2004, complicou muito a vida das pessoas que tinham armas legalizadas em casa e, devido à burocracia criada, levou várias pessoas a entregarem as suas armas para defesa pessoal ou prática desportiva para destruição. Ocorre que, depois disso, o número de homicídios com uso de arma de fogo foram os que mais cresceram; com armas ilegais, é claro.

Isso caracteriza que, num quadro caótico de violência aguda, a polícia não tem condições de estancar a barbárie, os cidadãos estão completamente indefesos e os criminosos cada vez mais armados. A proposta [de Bolsonaro] tem por finalidade dissuadir bandidos de continuarem a praticar a violência e fornecer condições mínimas para que as pessoas de bem (isso é pré-requisito) tenham arma para se defender da violência. Liberar o porte e facilitar a aquisição de armas é deixar o bandido, no mínimo, na dúvida. Quem mata são as pessoas , não as armas.

Considera que Jair Bolsonaro tem condições para vir a ser presidente do Brasil?

Tem oportunidade de se eleger sim. Os políticos tradicionais de carreira estão literalmente apavorados com essa possibilidade e entraram num jogo de vale-tudo nas fake news. Por isso sugiro, para entender esse fenómeno, que assistam aos seus últimos discursos em canais do YouTube e redes sociais, pois a imprensa aberta não lhe tem dado abertura.

As principais bandeiras dele para eleição são: o liberalismo económico, defesa da liberdade de expressão (recentemente vários parlamentares vêm propondo restrições às redes sociais por aparecerem em escândalos), privatizações (para evitar absurdos como os escândalos de corrupção da Petrobrás revelados na Lava Jato por exemplo), transparência no BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Social –foi usado sistematicamente e sem critério nos últimos governos para financiar obras em Angola, Venezuela, Cuba, Bolívia e Equador), redução de impostos e revogação do Estatuto do Desarmamento.

O que se pode esperar do Governo, caso Jair Bolsonaro venha a ser eleito presidente?

Muitos acreditam que ele enfrentará muita turbulência porque terá pouco apoio no Congresso. Acham que ele é impulsivo e não pensa muito. Possivelmente será muito sabotado pelo segmento político, sindicalista e minorias LGBT ou movimentos raciais. Isso é verdade, mas também é bem possível que em 30 anos de vida política ele já tenha aprendido muita coisa e já saiba também os pontos fracos dos seus adversários, o que vai facilitar a gestão das crises.

Ocorre que após quatro mandatos consecutivos do Partido Trabalhista e o maior índice de desemprego da história, com 14 milhões de desempregados, muita gente querem uma mudança radical. Só em 2017, mais de 700 mil empresas fecharam, sendo que muitas delas faliram. No Brasil, a prestação de serviços do Estado ao cidadão entrou em colapso há bastante tempo. Não há segurança, nem saúde pública, nem transporte de qualidade e a taxa de impostos é altíssima. A classe média está desesperada com a péssima qualidade de vida e os empresários não confiam nos atuais políticos nem no sistema tributário para realizar investimentos.

Bolsonaro tem possibilidade real de passar pelas turbulências de fazer um bom Governo. Vai ter é de manter a coerência de ser fiel ao seu discurso e escolher bem os assessores. Uma eleição de Lula seria muito mais perigosa e a probabilidade de uma guerra civil interna seria muito maior. Muita gente não aceitaria ser governada por um condenado, isso é facto. A maioria dos apoiantes de Bolsonaro não são contra o Lula e o PT, são contra toda a classe política que está envolvida em escândalos de corrupção, nesse “pacote” estão inclusive o atual Presidente Michel Temer, Aécio Neves, Renan Calheiros e mais 400 parlamentares listados na Lava Jato. Querem a prisão de todos, não são seletivos.

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