Com o chumbo do acordo para o Brexit proposto pela primeira-ministra Theresa May na Câmara dos Comuns, a conclusão é a de que o Parlamento britânico sabe bem o que não quer. Infelizmente, parece é não saber o que quer. Nesta altura, há muito em causa e não é só para os britânicos. Ninguém consegue calcular com o mínimo de precisão as consequências deste impasse. Nem sequer se é possível cumprir a saída marcada para o dia 29 de março.

Este chumbo, apesar de implicar uma renegociação do acordo, torna ainda mais incerto o desfecho do processo relativo à saída britânica da União, com tudo o que isso significa em termos de consequências negativas para a economia europeia.

Para baralhar as contas, muitos britânicos festejaram efusivamente esta rejeição do acordo: uns porque acreditam ser possível uma saída sem qualquer acordo, outros porque defendem a possibilidade de um novo referendo e ainda outros que apostam em solicitar a Bruxelas uma extensão de pertença à UE, o que significa a negociação de um novo orçamento. Alguma destas opções será viável?

A verdade é que a pouco mais de dois meses da data de saída, estamos ainda muito longe de conseguir determinar o rumo destes acontecimentos e de assegurar uma saída ordeira do Reino Unido.

Sem acordo, sem consenso quanto à solução “backstop” (que permite à Irlanda do Norte ficar na união aduaneira e é um dos pontos mais críticos da proposta de May), com um governo britânico fragilizado e mergulhado numa crise interna, entramos num terreno desconhecido, onde as relações entre o Reino Unido e a UE deixam de ter enquadramento legal.

A incerteza instalou-se com reflexos também em Portugal. O Conselho de Estado reuniu ontem, pela terceira vez, para analisar o Brexit. Os mais altos representantes do Estado português estiveram com Michel Barnier, o negociador-chefe que representou a União Europeia durante a discussão do acordo, para avaliar o futuro das relações com o Reino Unido.

Os efeitos de um não acordo e de um hard brexit terão fortes implicações junto dos portugueses. Nos serviços consulares portugueses no Reino Unido estão registados 302 mil cidadãos. Ao longo da última década, o Reino Unido foi o maior destino de emigração portuguesa, com mais de 120 mil pessoas a emigrarem só entre 2011 e 2015. Com a saída, estes cidadãos passam a ter estatuto de estrangeiros e novas regras no acesso ao mercado de trabalho e a serviços públicos como a educação, saúde, apoios sociais e pensão de reforma.

As empresas portuguesas com investimentos no mercado britânico terão que se ajustar a novas realidades alfandegárias, aduaneiras, fiscais e financeiras nas suas transações de exportação e importação, de investimentos cruzados. O impacto do turismo britânico em Portugal é incalculável, já se fazendo sentir: em 2018, este mercado já reduziu em quase 10% e as expectativas são de que continue a baixar, com efeitos bem visíveis sobretudo no Algarve e na Madeira.

A CIP estima que os efeitos do Brexit no crescimento económico nacional sejam devastadores: o impacto negativo no PIB português poderá chegar a -1% e a quebra do volume de exportações poderá atingir os 26%.

Em suma, as incertezas são demasiadas para tão poucas certezas. Para já, só mesmo uma: ninguém sabe o que vai acontecer. Nem mesmo no dia 29 de março.