O país político e o país real nunca estiveram unidos e tão certos numa coisa: João Galamba não tinha nem tem condições para continuar ministro. Por isso foi uma surpresa total o anúncio de um primeiro-ministro cada vez isolado no seu próprio mundo e distante da realidade de não aceitar a demissão do responsável pelas Infra-Estruturas.

Reiterou que Galamba não sonegou documentos à Comissão Parlamentar de Inquérito, blindou com couraça de aço a iniciativa de chamar o SIS por um computador roubado ao Estado, contudo, não conseguiu isolar o ministro da mentira clara de ter sido ele a aconselhar a presidente da TAP a estar numa reunião secreta – que nunca devia ter ocorrido – de preparação de uma audição, e muito menos o degradante espectáculo dado por João Galamba naquela conferência de imprensa trágica que retratou o que António Costa chamou de “inadmissível” e “deplorável”.

Porém, mesmo depois destes adjectivos duros, manteve Galamba no Governo. A partir daqui é um bailado de sombras de manobras políticas todas ungidas sob a batuta dos melhores ensinamentos de Maquiavel. Em poucas horas, António Costa que estava sob pressão conseguiu fintar a mesma e encostar Marcelo Rebelo de Sousa às cordas, numa manobra fria e com killer instinct à flor da pele. Só que o Presidente da República, como todos sabemos, gosta de estar próximo das pessoas, mas nunca perdeu o seu veneno e segue-se o contra-ataque.

Com uma maioria absoluta sólida e recente, com boa relação entre os dois protagonistas, ninguém antevia que em um ano a estabilidade prevista se desvanecesse. Costa deu esta golpada – de surpresa, tal como no passado fez contra António José Seguro – mas Marcelo também tem culpas no cartório. Umas vezes punha o pé no travão da palavra dissolução, noutras, carregava no acelerador dessa bomba atómica, mantendo uma ameaça que não fazia sentido e contribuindo assim para a degradação do clima político.

O apodrecimento do regime deu-se com casos e casinhos, mas sobretudo a credibilidade do controlo político do primeiro-ministro ocorreu quando não demitiu na hora Pedro Nuno Santos, quando este decidiu de per si anunciar futuras localizações de aeroportos sem dar cavaco ao líder do Executivo que estava em Madrid e sofreu bastante com essa manobra. Mas Costa é um grande político e tem outros competentes à sua volta: Duarte Cordeiro, José Luís Carneiro, Mariana Vieira da Silva, sem esquecer Fernando Medina que é hoje, na prática, o seu número dois e verdadeiro ponta-de-lança na gestão das expectativas económicas dos portugueses e tem bons números para apresentar.

E se com Marcelo o cenário azedou de vez, tem ainda um salvo conduto que lhe dá passagem para poder ganhar eleições, se ocorrerem. A fraqueza do PSD na afirmação como alternativa e nas palavras duras, mas correctas, de João Torres do PS, a vacuidade da liderança de Luís Montenegro. Não basta dizer “eu sou alternativa” e repetir o mesmo dez vezes seguidas. Isso não vale de nada se os portugueses nem ligarem ao que ele diz. E, para já, é isso que tem acontecido. De resto, tudo isto soa ao português comum como brincadeiras inúteis da política. Querem o país a andar para a frente e não um xadrez de egos e vaidades que tantas vezes cega os políticos. E isso também não interessa a ninguém.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.