A propósito da CGD, da nomeação dos novos administradores, dos seus salários, da transparência e da falta dela, o país assiste a uma trapalhada. E se o que parece interessar é que a coisa ande, não importa como, é indisfarçável o desconforto criado.

Surpreende desde logo que o Governo, que assenta o seu apoio em partidos de esquerda com base popular nas classes operárias que não ganham em vários anos de trabalho os valores que vêm a público se ir pagar ao mês, tenha decidido remunerar a nova administração com um vencimento nada “poucochinho” e muito acima do histórico da função. Nomear uma administração para um banco não é uma trivialidade. São processos muito escrutinados. Decerto poderiam ter contado com a indignação.

A ideia quase que passava com o argumento de que esta equipa é mesmo “fera” e que o “preço” estava dentro da média do sector, esquecendo, como convém, de ver se o país, o dono da Caixa, tem saúde financeira para ombrear com o sector… A esquerda e os trabalhadores engoliam uns sapos, mas é a vida.

Porém, um pormenor – a declaração de rendimentos –, cujos impactos não são evidentes (qual o problema se os rendimentos declarados forem muito altos? ou muito baixos? porquê fazer disto um drama?) teve o mérito de alertar que o “rei vai nu”. E de unir todo o espectro político na crítica de que o processo foi mal conduzido e está mal contado.

Vejamos. A entrega da declaração de rendimentos é uma obrigatoriedade legal e já o era ao tempo do convite e nomeação. Então das duas, uma: ou a nova equipa combinou com o Governo dispensar esta comunicação, criando uma excepção, e o Governo que o diga; ou, se não o fez, começa logo por incumprir com a lei e as regras do seu accionista.

Inclino-me mais para a primeira hipótese. Era uma ousadia e irresponsabilidade, características que não abonam a favor da nova equipa, que uma das primeiras medidas fosse, em praça pública, desafiar o cumprimento da lei. É mais crível pensar que lhes devem ter prometido que a contratação seria sem grandes sobressaltos, que o seu salário seria o que é, e que estariam dispensados da referida declaração.

Só que o processo complicou-se com a publicidade que o tema ganhou, e a pressão da opinião pública e dos partidos de esquerda. O que fez então o chefe do Governo? Como em diversas ocasiões, viu o que é melhor para si e, neste caso, tirou o tapete à nova Administração da Caixa dizendo “eu apresentei a minha declaração”. Por outras palavras, se ela não o faz é porque não quer. Se estavam à espera de apoio do Governo, tomem lá.

Isto é grave. Mostra falta de seriedade, se se está neste momento a desdizer o que previamente se combinou, ou pura incapacidade, se é preciso vir a público dar recados ainda mal a nova administração do banco entrou em funções. Contornar os problemas sorrindo, e pensando no próprio o umbigo, é uma forma de liderança que só pode acabar mal. Não é do diabo que o país tem medo, é mesmo da multiplicação de geringonças.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.