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Candidato a líder da JS contrapõe “política com entusiasmo, convicções e resultados” a “populismos, demagogia e encenações”

Sendo quase certo que a lista de Miguel Costa Matos não encontrará oposição no congresso nacional da JS, o provável futuro secretário-geral promete “total liberdade e pluralismo”. Mas deixa clara a proximidade com os partidos da “geringonça”, a recusa do voto em Marcelo Rebelo de Sousa e o total apoio ao Governo na polémica em torno das aulas de Cidadania.
  • Miguel Costa Matos
12 Outubro 2020, 08h10

O deputado socialista Miguel Costa Matos avança para a liderança da Juventude Socialista (JS), provavelmente sem opositor e com a ambição de apresentar “um dos primeiros projetos políticos da geração millennial“, capaz de atrair muitos daqueles que se afastaram das juventudes partidárias. Defensor de uma nova “geringonça”, tem a certeza de que “votará à esquerda” nas presidenciais e, apesar de discordar com Sérgio Sousa Pinto na polémica da Educação para a Cidadania, chama-lhe “uma das almas mais brilhantes do grupo parlamentar”.

A sua lista não deverá enfrentar nenhuma oposição no congresso que decorre de 11 a 13 de dezembro. Isso é um sinal de união ou de unanimismo?

O prazo para a entrega de moções globais de estratégia – no fundo, de candidaturas – ainda vai decorrer durante mais algum tempo. Mas este processo de candidatura, que não é individual e sim coletiva, já começou há alguns meses. Esteve a ser gerado um consenso e uma participação efetiva do conjunto da estrutura à volta deste projeto, que reconhece a urgência de agir para combater a crise económica e social, a crise climática e a crise da democracia, entre tantos outros temas. Por isso, creio que encontraremos todas as condições para a nossa estrutura permanecer unida, coesa e mobilizada à volta destes desafios. A JS é uma estrutura muito plural, e dentro do nosso projeto temos pluralidade. É nesse diálogo interno, que se mantém sempre vivo, que conseguimos ter maior riqueza e maior força para depois levar as nossas lutas avante.

Na viragem do século houve disputas eleitorais muito acesas na JS, nomeadamente entre a líder do grupo parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, e a ex-secretária de Estado adjunta e da Saúde, Jamila Madeira, que retomou agora o mandato de deputada. Daquilo que conhece da história da organização vê vantagens nesse tipo de disputas?

Tive oportunidade de disputar um congresso na Federação de Lisboa da JS há dois anos e vejo que haver duas listas, numa pluralidade contestada, é algo que também não deixa de ser virtuoso. O que não quer dizer que quando temos uma candidatura única não haja essa possibilidade. Repare: o que é que haver duas candidaturas nos obriga a fazer? A reconhecer as diferentes ideias que temos, a trabalhar ainda mais e tentarmos convencer os nossos militantes. Aquilo que devo ter como compromisso, no caso de vir a ser candidato único à liderança da JS, como neste momento se afigura que possa acontecer, é continuar a querer conversar com militantes, a promover o debate interno com total liberdade e pluralismo, e naturalmente que a nossa estrutura possa sair enriquecida. Mas esta unidade também nos permite outra coisa, que é levar a nossa mensagem melhor lá para fora, para junto dos jovens que ainda não aderiram à JS ou a qualquer outra juventude partidária. E temos cada vez mais pessoas que não aderem às juventudes partidárias ou sequer à mera ideia de participação política. Precisamos de os convencer que este projeto, que é um dos primeiros projetos políticos da década de 90, da nossa geração millennial, acabará por responder aos desafios que agora atravessamos, para quem quer fazer política de forma diferente, e de quem não cede a populismos, demagogia e encenações, mas quer fazer política com entusiasmo e convicções, mas também com resultados.

Defende que é necessária uma nova “geringonça” e lutar contra a “oposição de uma direita bafienta que põe em causa a nossa democracia”. Há lugar na JS para quem também veja nas posições de parceiros da “geringonça”, sobretudo do PCP, atentados contra a democracia?

Em primeiro lugar, teriam de explicar quais é que foram, em 46 anos de democracia, os atentados do PCP à democracia.

O apoio a regimes como os da Bielorrússia ou da Venezuela, por exemplo.

Naturalmente que as posições de política externa do PCP, como as de outros partidos do nosso sistema político, inspiram-nos muitas vezes as maiores dúvidas e reservas. Outros partidos apoiam outros regimes ditatoriais e que violam alguns direitos humanos. Temos de condenar quando os partidos são transigentes com esse tipo de regimes e procurar iniciar uma conversa para que a nossa esquerda, que sempre valorizou os direitos humanos, seja fiel a esse legado ideológico. Na JS temos militantes em concelhos onde o PCP é poder, e por vezes não tem atitudes e políticas com as quais concordamos. Mas o mesmo com o PSD.

Não me recordo de ver o PSD a apoiar nenhuma ditadura.

Mas se calhar era importante analisar a política externa dos governos do PSD para compreender qual foi o apoio que tiveram, e porventura outros partidos do nosso sistema político tiveram ao longo dos anos, apoiando regimes cuja ética e respeito pelos direitos humanos também estão bastante aquém daquilo que nós em Portugal e na Europa defendemos.

Entre os ex-presidentes da JS conta na sua bancada com Sérgio Sousa Pinto, um claro opositor da ‘geringonça’ que recentemente assinou o manifesto pela objeção de consciência dos pais nas aulas de Cidadania. Costuma debater ideias com ele?

Troco várias vezes ideias com o Sérgio, que é uma das almas mais brilhantes do nosso grupo parlamentar. Temos muitas discordâncias, mas naturalmente que, sendo ambos socialistas, concordamos no essencial. No caso da educação para a cidadania ele não está a ver bem a situação. É fundamental que a nossa escola possa ensinar os valores da nossa sociedade e da nossa Constituição. E que as aulas de Educação para a Cidadania sejam um elemento fundamental e obrigatório do nosso currículo.

Portanto, concorda que alunos a quem os pais não deixam frequentar essas aulas sejam impedidos de passar de ano?

Quando os alunos faltam a qualquer uma das aulas obrigatórias podem chumbar por faltas. Aquilo que o Governo fez foi dar várias oportunidades para que pudessem completar aquela disciplina. Parece-me que não podemos começar a abrir exceções para que disciplinas que são obrigatórias no currículo deixem de o ser só porque um pai não gosta de uma componente dessa disciplina. Com certeza que haverá pais que discordam da forma como ensinamos os Descobrimentos, seja por ser de forma demasiado colonialista ou por ser pouco positiva, mas isso não justifica que digam que os filhos não poderem ir às aulas de História. Como sociedade elegemos democraticamente governantes e temos uma função pública e peritos independentes que elaboram os currículos e os programas, resultando daí o que as escolas dão como matéria. Se decidimos que a Educação para a Cidadania deve ser uma disciplina de ensino obrigatório então não devemos começar a abrir exceções por a disciplina ser mais assim ou assado. Se é obrigatória, é para cumprir.

É-lhe mais fácil encontrar pontos de convergência entre socialistas como Sérgio Sousa Pinto ou Francisco Assis, tidos como centristas, ou com os deputados do Bloco de Esquerda?

Os partidos são sempre casas comuns de pessoas que se identificam com um conjunto de ideias e de legados históricos. Se porventura há matérias sobre as quais concordo com pessoas do Bloco de Esquerda, e o Sérgio ou o Francisco Assis não concordam com essas ideias, isso não significa que, regra geral, não encontre mais semelhanças e um projeto em comum com o Sérgio ou o Francisco Assis. O que não quer dizer que num contexto de diálogo parlamentar e de construção de maiorias – dado que o povo português não deu maioria ao PS – não seja fundamental haver um diálogo permanente, cooperante e construtivo com os partidos à nossa esquerda e também com os partidos da ecologia parlamentar. Não obstante o PS ser uma casa muito grande, é sempre a nossa casa e os que estão ao nosso lado são os nossos camaradas e companheiros de luta, e é com eles que a travamos em conjunto.

Consegue compreender a provável equidistância do PS em relação às eleições presidenciais?

Não sei se o PS tem equidistância, pois a Comissão Nacional do PS ainda vai reunir. Mas há muitos anos que o PS dá liberdade aos seus militantes. Aliás, dá liberdade aos seus parlamentares no conjunto das votações, com exceção do Orçamento do Estado, de moções de confiança e moções de censura. Ao contrário da visão de que os partidos são sítios em que as pessoas não têm espírito crítico, e que quando se está dentro do partido se perde liberdade de pensamento, no PS não somos dependentes de nenhuma cassete nem de nenhuma cartilha. Por isso encaro com total tranquilidade que o PS possa dar liberdade de voto. Pessoalmente, tenho a certeza que votarei à esquerda.

Vai votar em Ana Gomes?

Estou ainda em reflexão.

Vários dirigentes socialistas vieram dizer que planeiam votar em Marcelo Rebelo de Sousa, outros disseram que nunca votariam em Ana Gomes, sendo que a deputada Isabel Moreira reagiu à sua candidatura com o anúncio do voto no candidato comunista João Ferreira. Consegue compreender o que passa pela cabeça dos eleitores do PS ao ouvirem tudo isto?

Creio que um eleitor socialista terá sempre que entender que uma eleição é uma disputa de ideias. E neste caso estamos a falar da mais alta magistratura da Nação e das agendas e dos valores que o Presidente da República quer imprimir no seu mandato, das preocupações que traz consigo e das intervenções que tem. Devemos procurar o cidadão ou a cidadã que mais fielmente transmite preocupações sobre os valores de uma sociedade com maior igualdade de oportunidades, onde sejam respeitados os Direitos Humanos, onde a democracia seja enriquecida pela participação e pelo pluralismo, e também pela participação na União Europeia e na NATO, com uma economia que acredite na iniciativa privada mas também na função do Estado para enquadrar e promover e potenciar essa iniciativa privada. Parece-me bastante evidente que os eleitores socialistas terão a capacidade de refletir sobre os seus valores, sobre a personalidade dos cidadãos que se candidatam, e de decidir qual será o seu voto, em liberdade.

Diria que os problemas da juventude não foram uma prioridade para Marcelo Rebelo de Sousa?

Marcelo Rebelo de Sousa tem estado próximo dos jovens, e espero que o próximo Presidente da República possa estar mais próximo dessas preocupações, pois agora, com a crise económica e social, a nossa geração vai sofrer ainda mais do que no passado. E ao mesmo tempo estamos a enfrentar uma crise climática que vai afetar as nossas condições de vida dentro de 30 ou 40 anos. Espero que o Presidente da República possa ser não só um firme defensor das oportunidades para a nossa geração como um firme defensor da ação climática.

Enquanto presidente da JS pondera defender o apoio da organização a Ana Gomes?

A JS discutiu as eleições presidenciais na sua comissão nacional e não decidiu apoiar qualquer tipo de candidatura presidencial. É essa a posição que levamos ao nosso congresso nacional.

É uma posição irrevogável?

Na JS há democracia interna. Se houver algum tipo de decisão no sentido de apoiar alguma candidatura será com certeza uma decisão de todos os delegados ao congresso, ou dos órgãos da JS. Caber-lhes-á decidir.

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