A propósito dos Luanda Leaks e dos negócios de Isabel dos Santos vieram alguns, preocupados, lembrar a existência da importação de “capitais infectados” e dos graves problemas que daí decorriam para o país, transformado em lavandaria de dinheiro sujo. E juntaram ao rol dos capitais infectados, a par dos de Angola, os originários da China e da Venezuela. De países com “regimes cleptocráticos”, dizia um preocupado. Ora isto é absolutamente risível.

A fila dos preocupados é interminável. Vai do chefe do Chega a inefáveis comentadores e jornalistas da nossa praça. Com uma marca distintiva comum: todos comungando da doutrina neoliberal e reverentes e obrigados da globalização financeira.

Os doutrinadores da livre circulação de capitais – porque nela está a salvação do país –, os silenciosos adeptos dos paraísos fiscais, os que não dizem uma palavra sobre o monstro glutão da “Banca Sombra”, os entusiastas dos acordos de livre comércio, os defensores intransigentes das entidades reguladoras, das supervisoras, das auditoras, públicas e privadas, de toda a tralha do instrumental neoliberal para fazer de conta que regulam, supervisionam, auditam, fiscalizam segundo o interesse público e não para cobrir a exploração, o roubo, a extorsão do grande capital transnacional e financeiro, descobrem agora, “espantados”, que tudo isso falhou e que há capital cuja bondade precisa de ser avaliada.

Os ferozes pregadores das privatizações, concessões, liberalizações e leilão dos activos públicos estratégicos, descobriram que há capital e capital, e que há capital a quem não podemos confiar a nossa filha… Mas nunca sem explicar devidamente como fazem a filtragem.

Quem e com que critério se definem “regimes cleptocráticos”? Os que não obedecem aos EUA? Os que não abanam com a cabeça à UE? O bom capital é o que sai dos amigos da UE e dos EUA, como a Arábia Saudita e o Dubai? Devemos interrogar-nos sobre o capital chegado do Brasil? Do que chegou via Oi e Camargo Correia para comprar e liquidar a PT e a Cimpor?

Devemos questionar o dinheirinho que chega do Luxemburgo, Estado da UE, que teve como primeiro-ministro um facilitador e lavador fiscal de fortunas que foi presidente da Comissão Europeia? É mesmo garantido que o dinheiro que vem da Suíça, onde estacionava o “Monte Branco”, e tinham (e têm) contas secretas Ricardo Salgado (há quatro anos que as autoridades portuguesas aguardam por informações!) e outros ilustres compatriotas, é limpinho, limpinho? Serão capazes de explicar a cor, o cheiro e o rasto, dos investimentos da Black Rock e da Lone Star, entre outros? Tem selo branco de fiscalização e lavagem do Delaware?! Sacripantas!

Os ferrenhos promotores dos Vistos Gold, que não exigem um atestado de bom comportamento ao visado, nem um atestado de lavagem ao portador, que já vão nos 4.992 milhões de euros entre 2012/2019, assim pagando autorizações de residência a 8.207 impolutos cidadãos do mundo, que gostam de viver em Portugal, julgam que há capitais bons e capitais maus…

E que dizer dos que agora se lembraram de que a “ética” deve estar presente nos negócios? Em qualquer lugar deste e do outro mundo deve haver uns milhares de capitalistas, amarrados à barriguinha, a rir-se.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

Nota: o texto não é uma qualquer bênção abonatória ou absolvição dos negócios de Isabel dos Santos.