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Carlos Costa escapa a exame de idoneidade a ex-gestores da CGD

Supervisor está a avaliar a responsabilidade de ex-gestores da Caixa nas decisões de negócios ruinosos do banco público. Exame exclui o governador do Banco de Portugal, também ele ex-administrador da CGD. Decisão está a gerar polémica.
23 Fevereiro 2019, 18h00

O exame à idoneidade dos ex-gestores da Caixa Geral de Depósitos (CGD) que está ser feito pelo Banco de Portugal (BdP), no sentido de apurar eventuais responsabilidades nos atos de gestão que resultaram em elevados prejuízos para o banco público, deixa de fora o governador do Banco de Portugal (BdP), que foi administrador do banco público entre 2004 e 2006.

Carlos Costa escapa, assim, ao escrutínio do supervisor, numa avaliação que incide sobre menos de dez antigos adminisradores, apesar de ter aprovado créditos ruinosos quando esteve na CGD, sabe o Jornal Económico.

Esta avaliação de idoneidade está a ser feita com base nas conclusões da auditoria da EY que detetou perdas de 1.647 milhões de euros em 186 operações de crédito que acabaram por se revelar ruinosas. Um exame que visa verificar a responsabilidade de cada ex-gestor no processo de tomada de decisão e os pelouros que eram da sua responsabilidade. O JE questionou fonte oficial do BdP sobre esta avaliação  a ex-gestores da CGD, tendo fonte oficial recusado comentar.

Enquanto administrador da Caixa,  Carlos Costa aprovou créditos a Joe Berardo e Manuel Fino, num total de 223 milhões de euros, que geraram perdas para o banco público de 161 milhões de euros, segundo o relatório final da auditoria da EY à gestão da Caixa entre 2000 e 2015.

A decisão de excluir o governador do BdP no exame à idoneidade e à experiência de pessoas nomeadas para a administração de bancos prende-se com a missão e funções do regulador financeiro. De acordo com a lei, esta entidade regula e supervisiona as instituições de crédito, as sociedades financeiras e as instituições de pagamento para garantir a segurança dos fundos que lhes foram confiados. E é neste âmbito que o BdP aplica medidas preventivas e sancionatórias.

Segundo uma fonte conhecedora do processo, em questões de avaliação de idoneidade “o Banco de Portugal não supervisiona a sua própria casa. Não é possível, pois não está no âmbito dos poderes que a lei confere a esta entidade”.

Ainda assim, o Jornal Económico sabe que esta situação está a gerar desconforto no seio do próprio BdP, com Carlos Costa a escapar à avaliação de idoneidade. Isto numa altura em que é tornado público que este ex-gestor da Caixa votou favoravelmente  empréstimos de 178,1 milhões para Investifino do empresário Manuel Fino, assim como aprovou créditos de 47 milhões de euros à Metalgest de Joe Berardo. Um responsável do BdP critica o facto de haver “dois pesos e dois medidas”, tendo em conta que dois ex-administradores da Caixa não tiveram ‘luz verde’ para integrarem administrações de bancos. Esta fonte aponta o caso de Norberto Rosa: ”A partir do momento que não teve ‘luz verde’ do BdP e do BCE para funções não executivas [presidente do conselho de auditoria do BCP], e tendo em conta que nem teve sequer pelouros de risco e comerciais, nenhum administrador que passou pela CGD pode exercer funções no sector”. A mesma fonte adianta ainda que foi precisamente o facto de Norberto Rosa ter participado em conselhos de crédito, os quais aprovaram créditos ruinosos, que pesou no ‘chumbo’ do BdP.

A revista ‘Sábado’ revelou ontem que Carlos Costa, administrador da CGD entre julho de 2004 e Setembro de 2006, esteve, pelo menos, em quatro reuniões do Conselho Alargado de Crédito (CAC) nas quais foram aprovados empréstimos a devedores problemáticos. Documentos nos quais não há qualquer referência a um debate ou a um voto de vencido de administradores.

Créditos ruinosos aprovados

As atas do CCA, reveladas pela ‘Sábado’, confirmam a presença de Carlos Costa na reunião de 31 de janeiro de 2006 que aprovou o empréstimo de 150 milhões de euros para a Investifino comprar acções da Cimpor e na reunião, realizada uma semana depois, que baixou o spread cobrado a Manuel Fino para 0,9%. Costa esteve também presente na reunião do CAC, a 11 de julho de 2006, que autoriza a proposta de financiamento ao grupo de Manuel Fino até 28,1 milhões de euros para compra de ações da Soares da Costa. Só os créditos à Investifino (cerca de180 milhões) geraram perdas de 133 milhões de euros, a segunda maior imparidade nas operações de crédito avaliadas pela EY.

Carlos Costa esteve ainda na reunião do CAC de 18 de julho de 2006, que autorizou um crédito de 47 milhões à Metalgest, que surge também no relatório da EY com uma imparidade de 28 milhões de euros. Na auditoria, a EY conclui que os elementos de risco não estiveram presentes nas decisões sobre operações de crédito que, entre outros negócios da Caixa, levaram a uma fatura de cinco mil milhões de euros que terá que ser paga pelos contribuintes.

Costa é inamovível

Uma das fontes contactadas pelo JE recorda que a avaliação da idoneidade é feita, num primeiro momento, o da nomeação – a partir da proposta do Governo e depois da audição da Assembleia da República que terá poder de oposição. E, depois, se ocorrerem factos supervenientes considerados como falhas graves. A mesma fonte recorda aqui que “a exoneração de um governador é proposta pelo Ministério das Finanças e em casos previstos nos estatutos do sistema europeu de bancos centrais”.

Em causa estão  circunstâncias previstas nos estatutos do sistema europeu de bancos centrais e do BCE. Isto porque a Lei Orgânica do BdP refere que os membros do conselho de administração “são escolhidos de entre pessoas com comprovada idoneidade, capacidade e experiência de gestão, bem como domínio de conhecimento nas áreas bancária e monetária” e “são inamovíveis”.  Ou seja, “um governador só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave”.

Depois de ter sido nomeado pela primeira vez no governo de Sócrates em 2010, Carlos Costa foi reconduzido, em 2015, ainda no governo de Passos Coelho, para um segundo mandato de cinco anos. Pela primeira vez, um governador foi sujeito a uma audição no Parlamento, devido à entrada em vigor de novas regras, em resultado de uma proposta do PS que lançou duras críticas à recondução do governador. Também o atual primeiro-ministro referiu, na altura, que a “imagem do Banco de Portugal está degradada”, tendo posteriormente defendido a necessidade de uma reflexão alargada para encontrar “um novo desenho institucional” para a supervisão.

Artigo publicado na edição nº 1975 de 8 de fevereiro do Jornal Económico

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