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Carta de despedida de António Mexia da EDP: “Foi uma viagem extraordinária ao longo de 15 anos”

Na sua carta de despedida, o gestor destaca o crescimento que a elétrica teve desde 2006, ano em que assumiu a sua liderança. “Esta é, seguramente, a decisão mais difícil da minha vida profissional, acima de tudo por resultar de um contexto de incompreensível justiça. Mas tomo-a pensando na EDP”.
  • Cristina Bernardo
30 Novembro 2020, 19h05

“Há decisões difíceis na vida e esta é uma delas. A minha liderança na EDP tem sido uma viagem extraordinária ao longo dos últimos 15 anos, justificando o enorme afeto que tenho pela companhia e pelas suas pessoas”, é assim que começa a carta de despedida de António Mexia da EDP com data desta segunda-feira, 30 de novembro.

O presidente executivo da EDP e o presidente executivo da EDP Renováveis, João Manso Neto, ambos suspensos de funções por decisão judicial, anunciaram hoje que estão indisponíveis para continuar à frente da elétrica. 

A decisão de sair da EDP acontece “independentemente da decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal de Relação de Lisboa no tocante ao recurso que me foi interposto relativamente às medidas de coação aplicadas há quase seis meses atras”, pode-se ler na missiva, que conta com quatro páginas, a que o Jornal Económico teve acesso.

“Caso, como se espera, a Relação de Lisboa venha a reverter as medidas de suspensão de funções terei como intenção, como já o demonstrei, contribuir para esta transição, que permite que a EDP desenvolva, sem sobressalto, todo o enorme potencial identificado e em plena execução, dando sequência ao trabalho feito até hoje e que é amplamente reconhecido pelo mercado”, segundo o documento.

Os acionistas da EDP que contam com assento no Conselho Geral e de Supervisão (CGS) pretendem realizar uma assembleia-geral extraordinária em janeiro de 2021 para eleger uma nova comissão executiva até 2023. Nesse sentido, solicitaram ao presidente executivo interino, Miguel Stilwell, para submeter uma proposta para a comissão executiva.

“Há decisões difíceis na vida e esta é, seguramente, a mais difícil da minha vida profissional, acima de tudo por resultar de um contexto de incompreensível justiça. Mas tomo-a pensando na EDP e em quem sempre confiou em mim – os nossos clientes e os nossos parceiros, mas sobretudo, as quase 12 mil pessoas que são a força desta empresa, que sempre corresponderam às minhas expectativas e sempre me inspiraram, e os mais de 100 mil acionistas que nela acreditam e os acionistas de referência que, para além de acreditarem, pela sua atuação têm sido decisivos para o sucesso da companhia”, escreveu o gestor na carta endereçada ao presidente do Conselho Geral e de Supervisão (CGS), Luís Amado, e ao presidente da mesa da Assembleia Geral, Luís Palha da Silva.

Os 11 pontos mais importantes da carta de despedida de António Mexia

1 – Disparo da capitalização bolsista. Na carta, António Mexia destaca que o valor da EDP em bolsa duplicou em 15 anos, tendo hoje o “grupo as duas maiores empresas cotadas na bolsa de Lisboa, que representam em conjunto mais de metade do valor” do PSI 20.

2 – Um terço do investimento foi feito em Portugal. O gestor destaca que o grupo EDP investiu desde 2006 um total de 34 mil milhões de euros, 20 mil milhões na área das renováveis, com mais de 11 mil milhões investidos em Portugal.

3 -Aposta precoce nas energias renováveis. No futuro, quando se olhar para o período 2006-2020 na EDP, a liderança de António Mexia vai ser destacada pela aposta precoce nas energias renováveis. “Nestes anos transformámos a EDP num líder incontornável nas energias renováveis, com uma estratégia focada na transição energética, sem a qual teríamos sido conduzidos a uma total irrelevância estratégica”. Apontando para a aposta nas renováveis e a expansão internacional, o gestor sublinha o crescimento no mercado norte-americano onde a EDP Renováveis é a quarta maior produtora eólica atualmente. “O papel decisivo na transformação das energias renováveis de um país como os Estados Unidos”, destaca.

4 – Maior empresa portuguesa. António Mexia também destaca o facto da EDP se ter tornado na maior companhia nacional. “Garantimos uma presença global nos mercados mais competitivos do mundo, sendo hoje a EDP a maior multinacional de origem portuguesa com presença em 19 países, e sem a qual não teríamos a inquestionável pertinência que conquistámos”. O responsável também destaca a “naturalidade” com que o grupo EDP é “respeitado”, como se pode comprovar pela presidência da Associação das Companhias Elétricas na Europa, a “contribuição para o redesenho do setor elétrico em Espanha e no Brasil”, ou a “redefinição da política energética europeia”.

5 – Valorização de 60% apesar da “adversidade”. A EDP valorizou quase 60% desde março de 2019, momento da última atualização do plano estratégico da elétrica, com a EDP Renováveis a mais do que duplicar o seu valor durante este período. Isto numa altura em que o setor europeus das elétricas subiu 30% e o PSI recuou, conforme sublinhado na carta por António Mexia, num momento em que o processo judicial dos CMEC já corria em tribunal. “Mesmo neste cenário de adversidade, nestes últimos três anos e sob a minha liderança, a EDP reforçou o seu crescimento internacional, alargou mercados, reforçou a sua estrutura de capitais. Num tempo excecionalmente exigente e difícil soubemos manter o rumo da empresa”.

6 – Talento da equipa. Na missiva também é destacada a “qualidade e talento de uma grande equipa, com colaboradores de mais de 44 nacionalidades, em que me permito destacar o crucial papel dos membros dos órgãos de gestão, e pela permanente confiança e demonstrações de apoio que nos foram sempre dadas de forma inequívoca pelos nosso acionistas.

7 – O processo. “Em junho de 2017, fomos confrontados pela primeira vez com o apelidado “processo dos CMECs”, vindo depois a saber que este tinha começado em 2012 com uma denúncia anónima e tinha já cinco anos de investigações”. Mais tarde, em julho de 2020, este processo veio a conhecer “incompreensíveis desenvolvimentos”, escreve Mexia. “É com profunda indignação e espanto que nestes últimos mais de três anos continuo a assistir ao desenrolar de um processo baseado em insinuações e suspeitas, alicerçado numa construção fantasiosa e puramente especulativa, sem qualquer aderência à verdade dos factos”.

8 – “Investigação artificialmente arrastada”. O gestor deixa duras críticas à forma como o processo dos CMECs está a ser conduzido na justiça. “Oito anos de investigação volvidos e sem quaisquer factos novos, procedeu-se a uma aplicação injustificada de novas medidas de coação, com destaque para a suspensão das minhas funções”.

“Este facto que ilegalmente me impede de trabalhar, de exercer o meu atual mandato na EDP desde julho último, o estarmos a um mês do seu final, aliados a uma investigação artificialmente arrastada, levam-me a considerar que é tempo de mudar”, pode-se ler na carta.

9 – Decisões do grupo EDP dentro da lei. “Todas as decisões foram aprovadas de forma unânime pelos órgãos competentes da EDP. Todas as questões levantadas foram clarificadas, e aceites como tal, não só por estudos, mas sobretudo por validações e decisões de entidades independentes, com destaque para a Comissão Europeia, no que diz respeito à adoção do regime dos CMEC, assim como a extensão do domínio hídrico. Sempre no contexto de cada momento e no rigoroso cumprimento da lei”.

10 – Saída não está relacionada com processo judicial. Mexia diz que a decisão de sair da EDP foi feita “independentemente do que vier a ser proferida pelo Tribunal de Relação de Lisboa”, com o gestor a aguardar a decisão sobre o recurso relativamente às medidas de coação tomadas há quase seis meses. “Caso, como se espera, a Relação de Lisboa venha a reverter as medidas de  suspensão de funções terei como intenção, como já o demonstrei, contribuir para esta transição, que permite que a EDP desenvolva, sem sobressalto, todo o enorme potencial identificado e em plena execução, dando sequência ao trabalho feito até hoje e que é amplamente reconhecido pelo mercado”.

11 – Que reserva o futuro profissional? O gestor aborda, ligeiramente, o que poderá ser o seu futuro profissional depois de cinco mandatos à frente da EDP. “Quando ao futuro, só poderei estar associado a desafios profissionais em novas áreas que tragam aquilo que temos sabido fazer: contributos importantes para um mundo mais sustentável do ponto de vista ambiental, económico, social e cultural. De uma coisa estou certo: nunca serão conflituantes com os interesses e projetos da EDP”.

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