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Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital

Há necessidade de regulamentar e limitar os ciberespaços, nomeadamente através da regulamentação sobre as próprias plataformas, mas também sobre as formas publicitárias. Esta regulamentação deve partir de princípios e valores constitucionais já consagrados e garantir os direitos fundamentais, impedindo a distorção de informação.
14 Junho 2021, 07h15

Vivemos na Era Digital. A evolução tecnológica e digital são fundamentais para o desenvolvimento social, económico e democrático de qualquer sociedade, contudo, temos que garantir que a mesma se desenrola com respeito pela Constituição, pelo estado de Direito democrático e pelos direitos liberdades e garantias dos cidadãos, nomeadamente os direitos fundamentais (dignidade da pessoa humana, direito à privacidade, direito à informação e ainda inviolabilidade do domicílio). O mundo digital é um mundo de informação, mas também desinformação (fake news e informação fragmentada), potenciador de gerar de conflitos e possível veículo criminal por utilização do ciberespaço para o cometimento de crime, utilizador de forma abusiva e massiva de dados pessoais e ainda utilizador indevido da geolocalização dos utilizadores.

A evolução tecnológica pode ser geradora de violação grave de direitos fundamentais porque é mobilizada por interesses económicos e comerciais e sem quaisquer preocupações de garantia de compatibilização com direitos fundamentais. A integração europeia como poder supranacional tem ajudado na tentativa de controle das grandes plataformas digitais e das empresas tecnológicas, evitando o atropelo de direitos, bem como tentando evitar que as mesmas através da posição de monopólio desvirtuem o mercado e a opinião pública. A União Europeia tem feito frente a abusos de companhia tecnológicas, nomeadamente no que se trata de acumulação e gestão de dados.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pelas Nações Unidas em 1948, estatui no seu artigo 19º o seguinte: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”. Contudo, podemos afirmar que direito à comunicação e informação verdadeira nem sempre se encontram devidamente acautelados nas redes sociais.

Há necessidade de regulamentar e limitar os ciberespaços, nomeadamente através da regulamentação sobre as próprias plataformas, mas também sobre as formas publicitárias. Esta regulamentação deve partir de princípios e valores constitucionais já consagrados e garantir os direitos fundamentais, impedindo a distorção de informação. A evolução tecnológica é uma realidade constante e cada vez mais estamos dependentes desta, nomeadamente nos processos comunicativos pessoais e coletivos, pelo que teremos que garantir essa mesma evolução e até fomentar.

A União Europeia está empenhada na compatibilização do mundo digital com os direitos fundamentais e com a democracia, pelo que se encontra a desenvolver um Regulamento de Serviços Digitais e Regulamento dos mercados Digitais, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais e os consumidores e que visa regular as consequências negativas das plataformas digitais detentora de posições dominantes e que pode levar a práticas comerciais desleais e utilização de dados para fins não autorizados. A Europa implementou um Plano Europeu de Acão contra a Desinformação.

Portugal reconhecendo as vantagens da utilização da Era Digital e da utilização das redes sociais, mas também reconhecendo os seus perigos, aprovou a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, através da Lei 27/2021 de 17 de maio de 2021, e que entrará em vigor no dia 16 de julho.

Esta carta visa que Portugal participe no processo mundial de transformação da internet num “instrumento de conquista de liberdade, igualdade e justiça social e num espaço de promoção, proteção e livre exercício dos direitos humanos, com vista a uma inclusão social em ambiente digital”, salientando que “as normas que na ordem jurídica portuguesa consagram e tutelam direitos, liberdades e garantias são plenamente aplicáveis no ciberespaço” ou em ambientes digitais. Assim, é garantido a compatibilização destes espaços públicos com a democracia pluralista e com o respeito pelo direito fundamentais.

Esta carta reconhece vários direitos digitais: Direito de acesso ao ambiente digital, Liberdade de expressão e criação em ambiente digital, Direito à proteção contra a desinformação, Direitos de reunião, manifestação, associação e participação em ambiente digital, Direito à privacidade em ambiente digital e proteção de dados, Direito à neutralidade da Internet, Direito ao desenvolvimento de competências digitais ou seja direito à educação digital, Direito à identidade e outros direitos pessoais, Direito ao esquecimento, Direitos em plataformas digitais, Direito à cibersegurança, Direito à liberdade de criação e à proteção dos conteúdos, Direito à proteção contra a geolocalização abusiva, Direito ao testamento digital, Direitos digitais face à Administração Pública, Direitos das Crianças e direito a ação popular digital e outras garantias.

Destes direitos, salientamos: o direito à proteção contra a desinformação, sendo considerado “desinformação a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja suscetível de causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos, nomeadamente informação comprovadamente falsa ou enganadora a utilização de textos ou vídeos manipulados ou fabricados, bem como as práticas para inundar as caixas de correio eletrónico e o uso de redes de seguidores fictícios”; o direito à neutralidade da Internet, no qual se garante o direito a que os conteúdos transmitidos e recebidos em ambiente digital não sejam sujeitos a discriminação, restrição ou interferência em relação ao remetente, ao destinatário, ao tipo ou conteúdo da informação, ao dispositivo ou aplicações utilizados, ou, em geral, a escolhas legítimas das pessoas”; o Direito à privacidade em ambiente digital que concede o direito a “comunicar eletronicamente usando a criptografia e outras formas de proteção da identidade ou que evitem a recolha de dados pessoais, designadamente para exercer liberdades civis e políticas sem censura ou discriminação e garante o direito à proteção de dados pessoais, incluindo o controlo sobre a sua recolha, o registo, a organização, a estruturação, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a divulgação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de disponibilização, a comparação ou interconexão, a limitação, o apagamento ou a destruição, é assegurado nos termos legais”, o Direito à identidade, ao bom nome e à reputação, à imagem e à palavra, bem como à sua integridade moral em ambiente digital; Direito à proteção contra a geolocalização abusiva, garantindo a proteção contra a recolha e o tratamento ilegais de informação sobre a sua localização quando efetuem uma chamada obtida a partir de qualquer equipamento, exceto com seu consentimento ou autorização legal.

Salientamos a previsão da utilização da inteligência artificial e robôs, a qual “deve ser orientada pelo respeito dos direitos fundamentais, garantindo um justo equilíbrio entre os princípios da explicabilidade, da segurança, da transparência e da responsabilidade e que evite quaisquer preconceitos e formas de discriminação”.

Foi, assim, reconhecida a importância dos direitos fundamentais na Era e em ambientes digitais, sem ser através de medidas puramente restritivas (pois tais medidas podem levar a uma diminuição da liberdade de expressão. Esta Carta de Direitos fundamentais na Era Digital pretende promover uma cultura democrática digital, apostando na educação digital, na formação de cidadãos digitais conscientes, com espírito críticos sobre os seus direitos e deveres digitais.

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