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Caso offshores: Alteração de software em 2013 provocou falhas no controlo de operações

Relatório da Inspecção Geral de Finanças conclui pela existência de anomalias informáticas para justificar ‘apagão’ fiscal de 10 mil milhões de euros, entre 2011 e 2014. E sugere que se averigue responsabilidade dos serviços e/ou das empresas informáticas contratadas.
27 Junho 2017, 21h23

A Inspecção Geral de Finanças (IGF) conclui pela existência de um problema informático origem nas falhas de controlo do fisco nas transferências de 10 mil milhões de euros para offshores entre 2011 e 2014. E considera “extremamente improvável” a existência de intervenção humana deliberada como origem nas falhas de controlo do fisco nas operações transfronteiriças.

O relatório de auditoria pedido à IGF sobre o dinheiro enviado para paraísos fiscais que escapou ao radar da Autoridade Tributária (AT), que contou com a peritagem o Instituto Superior Técnico (IST),  a que o Jornal Económico teve acesso, dá conta  que “os elementos recolhidos apontam no sentido de as falhas terem sido provocadas por uma alteração de parametrização do software da AT em maio de 2013”. O documento acrescenta que terão sido “sucessivamente ignorados e foram apagados” os logs (processo de registo de eventos relevantes num sistema computacional)  relativo ao processamento das declarações modelo 38, comunicados pelos bancos anualmente, que documentariam ao longo dos anos o número de transferências que ficaram por analisar.

“A indisponibilidade dos logs relativos ao período de 2010 a 2013 torna impossível, segundo o IST, um esclarecimento definitivo da razão para a alteração do software verificada a partir de 2013”, explica a IGF, considerando que “permanecem por esclarecer aspectos relevantes para descoberta para a descoberta da verdade e para salvaguardar a não repetição de um cenário de não deteção. De inconsistências no processamento de dados”.

A este respeito, a IGF questiona: “A eliminação de logs corresponde ao procedimento habitualmente seguido na AT relativamente a dados deste tipo? Poderia a parametrização do sistema de processamento das declarações modelo 38 (Powercenter) ser manualmente alterada sem deixar registo?”

IGF sugere que se avalie responsabilidade civil de empresas informáticas

Ainda assim, a IGF sugere que sejam avaliadas eventuais situações geradoras de responsabilidade que possam ser pedidas às empresas fornecedoras de software: a multinacional Informatica, que criou os produtos em causa (PowerCenter e PowerExchange), e OpenSoft, que desenvolveu a aplicação software que suporta o tratamento das declarações.

Sobre estas empresas questiona: “a ausência de mecanismos de controlo no processamento das declarações modelo 38 deve-se a uma deficiente formulação dos cadernos de encargos pela AT ou a uma deficiente implementação por parte da empresa contratada. Na segunda hipótese, podem ser civilmente responsabilizadas as empresas contratadas?”.

Estas responsabilidades, perante a AT, abrangem prestadores de serviços e empresas informáticas contratadas.

O relatório, além do problema informático no tratamento das declarações, revela ainda que “falharam igualmente” outros meios de controlo.  Exemplificam aqui que não estava activo qualquer mecanismo de verificação se o número de registos processados era igual ao número  de registos do ficheiro original. Aponta ainda que não estava activa a geração de qualquer erro no caso de não processamento de registos por preenchimento prévio parcial da mesma declaração.

A auditoria da IGF, entregue ao Ministério das Finanças na passada sexta-feira, 23 de junho, conclui, assim, pela existência de falha informática no caso das offshores com base na análise dos peritos do IIST às anomalias detectadas no tratamento das 20 declarações, apresentadas pelos bancos, cuja informação só chegou parcialmente ao sistema de controlo da AT, deixando de fora mais de 21 mil operações transfronteiriças realizadas entre 2011 e 2014.

Em causa está um ‘apagão’ fiscal de 10 mil milhões de euros, dos quais 7,8 mil milhões (80%) dizem respeito a apenas três declarações do BES, conforme o Jornal Económico revelou a 3 de março. A IGF, sem identificar entidades, dá conta que   cerca de oito mil milhões de euros das transferências em causa, têm como ordenantes dois grupos económicos – BES e BCP.

“78% do valor global transferido (em grande parte coincidente com o valor refrido) corresponde a transferências cujos ordenantes são entidades não residentes sem estabelecimento estável em Portugal, que por esse motivo não foram devidamente objecto de controlo pela AT, ainda que, num dos casos, o próprio grupo tivesse sede efectiva em Portugal”, lê-se no relatório.

AT investiga ocultação de rendimentos

O relatório da IGF revela ainda que a AT iniciou os procedimentos para fiscalizar as operações que estavam omissas no sistema central.

Neste controlo inspectivo estará, diz, eventualmente em causa a não justificação dos rendimentos transferidos (omissão de rendimentos, fluxos monetários não justificados), a ocultação de rendimentos financeiros obtidos no território nacional, a não sujeição da tributações autónomas de pagamentos a entidades com sede em paraísos fiscais e ainda a necessidade de aplicação de métodos indirectos em relação aos titulares de contas em paraísos fiscais não declaradas.

 

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