Muitas empresas que visitam a nossa fábrica com o objetivo de vender serviços ou aplicações tentam impingir-nos projetos que foram soluções para os problemas dos outros, não para os nossos. Não se esforçam o suficiente para perceber os matizes dos nossos desafios, apelando a sucessos passados que, em muitos casos, nos são excessivamente distantes.

Muitas dessas ferramentas enquadram-se no domínio da transformação digital, que é o novo mantra das empresas consultoras. Após muitos anos de trabalho em setores tecnologicamente intensivos, desconfio das soluções mágicas onde a tecnologia resolve, por arte de magia, o que as pessoas não conseguem resolver.

Além das expetativas estruturalmente inflacionadas de muitas destas ferramentas, é preciso diferenciar três conceitos que a pressão por aderir às modas nos leva frequentemente a confundir: as capacidades reais das tecnologias; a capacidade da nossa empresa para incorporar essas tecnologias; e a vontade do mercado para absorver os produtos que incorporam essas tecnologias.

Adicionalmente, é fundamental escolher o momento adequado para adotar essas soluções, mas os erros abundam porque as empresas vivem no presente, não no futuro. E importa também considerar que o excesso de tecnologias, cada vez mais acessíveis e em muitos casos banais, nos empurra para a indiferenciação e descaraterização.

Por outro lado, o mundo que nos envolve é cada vez menos linear e a sua complexidade transfere-se para o dia a dia das empresas, traduzindo-se em dilemas cuja resolução não é imediata. Por isso, não é adequado adotar cegamente novas ferramentas, por muito digitais que elas sejam. Neste cenário, os métodos acabam por ser mais uma orientação que uma solução e o importante é saber quando temos de os deixar de lado.

Para isso, quanto mais ligeiras forem as normas e os regulamentos que os desenvolvem, melhor, porque sabemos que teremos de nos afastar deles frequentemente. Devem pois ser mais uma inspiração que um catecismo, para evitar que contribuam para o bloqueio a que Peter Drucker se referia quando sentenciou que “a maior parte do que chamamos gestão consiste em dificultar que as pessoas façam o seu trabalho”.

De certa forma, o perfil adequado para enfrentar um contexto tão ambíguo lembra a liderança de “La Casa de Papel”: distante, mas capaz de criar uma visão comum e gerar confiança; e flexível, para enfrentar permanentemente situações imprevistas. Nestas circunstâncias, o sucesso acaba por estar baseado mais no propósito e na cultura do que no método.

Num registo mais musical, a transformação digital deve orquestrar-se em cada empresa a um ritmo mais semelhante ao de um violino do que ao de um piano. O violino é um instrumento extraordinariamente flexível e, por isso, adapta-se a muitas culturas. Pode até tocar-se no cimo de um telhado. Pelo contrário, o piano é muito inflexível e responde fundamentalmente às rígidas pautas da música clássica europeia. Venham, por isso, às nossas empresas, tantos violinos e violinistas quanto possível.