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Centralizar é preciso mas há mais desafios à indústria do futebol

A centralização dos direitos televisivos pode ser um fator diferenciador mas há muito a fazer nos próximos anos: melhoria do produto, sustentabilidade das contas e integridade desportiva.
30 Julho 2022, 17h00

Maior captação de receitas e de redistribuição de riqueza; a melhoria do produto e a sustentabilidade das contas das SADs. São muitos os desafios que se colocam à indústria do futebol português nos próximos anos e esta década poderá determinar, de forma decisiva, o futuro económico-financeiro do “desporto-rei” em Portugal, de acordo com os especialistas ouvidos pelo JE. O futebol em Portugal mostra resiliência (mesmo num ano atípico e sem adeptos nos estádios) e desafia a lógica de um mercado muito limitado com um frágil poder de compra. Ouvido pelo JE, Pedro Brinca, economista e professor na Nova SBE, considera o futebol em Portugal “é um caso de sucesso extraordinário”: “Apesar de todos os problemas, somos um país de 10 milhões de pessoas com um poder de compra muito baixo e estamos todos os anos a ter mais projeção internacional do que países com um historial riquíssimo na modalidade”. Pela mesma linha de raciocínio, Emanuel Macedo de Medeiros, que lidera a Sport Integrity Global Alliance, destaca ao JE que o futebol português “tem demonstrado uma capacidade de crescimento e de ombrear com os melhores ao nível europeu e mundial, colocando-se acima da pequenez geográfica, da fragilidade económica e da debilidade financeira do país”. Considera este responsável máximo desta coligação de integridade e boa governança no desporto, que “em Portugal, há uma paixão pela modalidade que alimenta a indústria e que não encontra muitos precedentes ao nível mundial”. Com todo este potencial, poderá a centralização dos direitos televisivos marcar um paradigma no produto?

Quanto vale centralizar?
Valem 180 milhões de euros mas existe uma estimativa que com a centralização poderá haver um salto nesta receita compreendido entre 275 milhões a 325 milhões de euros. Este cálculo consta do último anuário da Liga Portugal e aponta para uma valorização desta receita entre 56% e 85%. Ainda de acordo com a mesma fonte, os direitos televisivos constituem uma receita significativa para as sociedades desportivas e para os emblemas que terminaram a época 2020/21 do meio da tabela para baixo o peso desta receita chega a cerca de 40% do total das receitas. Apesar dos clubes da Liga quererem a antecipação deste modelo 2023/24, este processo vai ficar concluído até 2028/29. A Liga Portugal acredita que haverá uma “redução das disparidades financeiras entre SAD” através de um modelo de distribuição de receita mais equitativo que promove a competitividade desportiva e a valorização do produto audiovisual”.

Miguel Farinha, partner e líder de Strategy and Transactions da EY, realça ao JE que esta centralização “vai ser muito relevante para o futebol português” tendo em conta que irá permitir a maximização e repartição de receitas, “algo que é essencial para que o futebol português dê um salto de qualidade”. No entanto, este responsável aponta vários riscos que têm que ser levados em conta: “Com o ciclo económico que estamos a viver (cenário de guerra, inflação e taxas de juro a aumentar) claramente vão haver desafios a esse cenário nos próximos anos”. E um dos desses desafios bem pode passar, de acordo com a perspetiva de Pedro Brinca, pela estrutura do mercado de televisão por subscrição em Portugal e a respetiva falta de concorrência. “Temos quatro operadores de telecomunicações no capital da SportTV e que controlam 92% do mercado de subscrição de TV em Portugal. Na última negociação destes contratos em 2015 esse não era o caso e como havia de facto concorrência no sector, mesmo com negociação individual, aquilo que observámos foi um aumento superior a 100% das receitas televisivas, algo que se verificou nos contratos efetuados com os três grandes”, explicou o economista ao JE.

Este professor da Nova SBE recorda que a “a partir de 2016 houve uma redução brutal da concorrência no sector por via desta operação de concentração no canal SportTV e a consequência disso é que os clubes que tinham contratos com maturidades mais curtas (algo que não acontece com os “grandes”) renovaram todos por valores bastantes inferiores, cerca de 25% a 30% a menos que os contratos anteriores à operação de concentração”. Concluindo, este economista considera que, sem concorrência no sector, a receita atingida, mesmo com a centralização dos direitos televisivos, “será atingida será bastante inferior àquela que foi negociada em 2016, que estava perto dos 180 a 190 milhões de euros”. Quanto aos direitos televisivos internacionais, Pedro Brinca revela ao JE que existe alguma margem para crescer mas está limitada por dois fatores: a Liga Portugal não ser uma liga de primeiro plano e os mercados internacionais encontrarem-se saturados em termos de horários. “De acordo com cálculos da UEFA, a Liga portuguesa gera oito milhões de euros no mercado internacional. Mesmo que passemos para 24 milhões num bolo de 180 milhões de euros, esta é uma parcela muito pequena”, realça o economista.

Debilidades estruturais
Nesta análise, Emanuel Macedo de Medeiros sublinha ao JE que a negociação individual dos direitos televisivos em Portugal faz parte de um conjunto de debilidades estruturais a resolver. O presidente da SIGA considera que existe “uma polarização extrema das receitas na medida em que a concentração da riqueza radica na mão de três clubes e na Federação Portuguesa de Futebol e o mesmo acontece com as despesas já que continuamos a assistir a gastos sumptuosos com transferências de jogadores e comissões de agentes que continuam a ser o grosso da atividade económico”. O português que lidera a SIGA denomina de debilidade estrutural a concentração de riqueza em poucos clubes, “em contraste com o que se verifica noutros países, já que nem pela mão do Governo ou por iniciativa dos organismos desportivos foram feitas as reformas necessárias no que diz respeito às declarações financeiras relacionadas com as transferências de jogadores, aquisições de capital social de sociedades desportivas ou comissões. Nas últimas décadas não houve qualquer avanço. Uma indústria que movimenta milhões como é o futebol não pode ser governada como se estivéssemos no século XIX”. Para este responsável, alguns patrocinadores que estão no futebol “só estão interessados em ter as marcas expostas e têm um investimento nulo na promoção da integridade do desporto”.

E no que concerne ao tempo, atenção e dinheiro dos patrocinadores, Daniel Sá, diretor executivo do IPAM e especialista em marketing desportivo, sublinha ao JE que o futebol compete com uma série de outras indústrias como a música, moda, cinema, entre outras. “O futebol tem um problema significativo naquela que é a sua base do produto e que está relacionada com os 90 minutos do jogo. Analisando aquilo que é o consumo de conteúdos, o futebol é um produto que precisa de ser melhorado. É tipicamente aborrecido e vive uma overdose de oferta: temos futebol 365 dias por ano, a toda a hora e isto pode provocar cansaço no consumidor”, destaca este especialista em marketing desportivo.

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