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CEO da Euronext Lisbon: “Mercado Único de Capitais vai acontecer, mas não por decisão da Comissão”

Tecido empresarial mundial mais concentrado e a tendência de globalização já levaram a uma abertura do mercado de capitais, segundo o presidente da Euronext Lisbon. Em entrevista ao Jornal Económico, Paulo Rodrigues da Silva defende que quem ficar de fora desta realidade, é que não faz parte do mercado do futuro.
  • Cristina Bernardo
17 Março 2018, 11h30

Temos visto recentemente o presidente do Eurogrupo a falar muito do mercado único de capitais como sendo a evolução natural da UE. Como é que vê esta hipótese?

Sou 100% a favor disso. Penso que não devemos é ficar no meio. O mercado de capitais hoje já não é doméstico. Verdadeiramente já não existe uma bolsa lisboeta. A Euronext tem uma plataforma única em que todos os emitentes e todos os investidores estão no mesmo livro de ordens para todos os países. Portanto, não existe um mercado separado português. Já é uma bolsa pan-europeia, felizmente, porque se não fosse talvez já não existíssemos ou ainda éramos muito mais pequenos. 85% dos investidores são internacionais, os investimentos em tecnologia são enormes (tanto que vamos fazer o diploma de uma nova plataforma este ano), quase toda a regulação tem origem europeia…

Portanto, levemos o conceito até ao fim. Porque ficar no meio em que existem coisas locais e coisas globais, é mais complexo do ponto de visto do mercado. O papel da Euronext para ajudar as empresas portuguesas é ter recursos locais para dar apoio aos emitentes e às instituições financeiras locais e para interagir com os outros membros do ecossistema. Essa é a nossa função, estando eles numa bolsa que é global. O nosso foco é a Europa, ainda mais agora com o Brexit, o nosso foco é ainda mais a Europa.

Então porquê listar em Portugal e não noutro país?

Porque a proximidade com as sociedades de advogados, com os bancos e mesmo com a transposição da regulação – que é local – está aqui. No limite, é mais barato cotar em Portugal do que em França ou na Holanda. Os preços da Euronext são exatamente iguais em qualquer localização, mas os advogados e os bancos são mais baratas em Portugal. Espero que cada vez mais haja uma regulação única, igual para todos porque acho que é uma enorme vantagem. E não variações da mesma base…

O que é que iria mudar?

Não sei exatamente quais as medidas concretas, mas ainda existem algumas coisas que não são verdadeiramente iguais. Especialmente na regulamentação do que pode ser comercializado em cada país. Por exemplo, se alguém quiser vender ETF, warrants ou certificados em Portugal, para os distribuir no retalho, tem de os cotar em Portugal. Isso é quase uma duplicação de custo ter de o fazer em todos os países e poderia ser único. Do nosso ponto de vista, poria na Euronext e fica disponível para todos.

Existem vários temas como a portabilidade dos PPR ou a constituição de novos veículos que passam a ser europeus… Ainda existem uma série de questões não do trading em bolsa, mas tudo o que são produtos financeiros e investimentos indiretos.

Em que é as empresas portuguesas iriam beneficiar desse mercado único?

As empresas precisam de alternativas de financiamento: capital ou dívida. Quanto mais barato melhor. O beâbá da economia diz que quanto mais procura houver, mais baixos serão os preços e mais atrativos, e quanto maior liquidez, diminui a diferença entre o que um paga e o que outro recebe. Esse é sempre o objetivo: ter mais investidores. Mas um investidor internacional não investe no mercado português, investe em empresas concretas. O trabalho da empresa é ter visibilidade no mercado global, um plano credível e uma história de crescimento.

Do lado do mercado único, há um âmbito de procura mais alargado e maior visibilidade. Mas não impede que o trabalho de casa tenha de ser feito.

Não há o risco de as empresas portuguesas se perderem no meio de tanta concorrência?

A história mostra que fechado é sempre pior que aberto. A médio prazo, acontece sempre, em tudo. Se estivéssemos simplesmente num mercado fechado, local, onde ainda por cima existe escassez de poupança nesse mercado, nem sequer haveria quase consideração de os investidores internacionais olharem para esse mercado. Significa que é preciso fazer um trabalho junto dos investidores e daí os serviços de apoio aos emitentes. Um deles chama-se investor relations e é uma plataforma CRM, que serve, por exemplo, para os emitentes saberem quem são os investidores que fizeram investimentos em empresas similares ou daquela dimensão. Esse é sempre o tema.

Portanto a partir do momento em que se vai para a bolsa, para ter valorização e condições ideais, é preciso ir ter com os investidores e de se tornar visível. Esse é um dos lados que temos feito para ajudar. Mas também temos de encarar a realidade. O mercado é aberto, é grande e uma empresa portuguesa que queira estar no mercado de capitais tem de fazer esse trabalho. Não só vender o produto, mas vender a sua história.

(Foto: Cristina Bernardo)

Vê esforços nesse sentido? Acha que o mercado único se vai concretizar?

Penso que o mercado único de capitais vai-se concretizar. Quem é que vai estar nesse mercado único de capitais é um desafio individual de cada uma das empresas. A tendência europeia é essa. Não tem volta. A tecnologia, a regulação e a concentração dos investidores leva a que o mercado seja único. Quem ficar de fora, não faz parte do mercado. O mercado único vai existir e não é por decisão da Comissão Europeia. É porque o mundo hoje é concentrado e aberto. É assim que os investidores querem e é assim que vai ocorrer. Não é uma decisão regulatória. Aliás, penso que as decisões legais e regulatórias geralmente chegam depois da tendência económica e financeira para concretizar algo que já está em marcha por outras razões.

Além da maior concertação, o que é que está a mudar mais no mercado atual?

O mundo hoje é muito maior do que o tradicional. Cash e equities são apenas uma fração no negócio de todas as bolsas. O market data, ou seja, venda de dados, por exemplo cresceu brutalmente, porque mais de 50% das transações hoje em dia são algorítmicas, são sistemas informáticos automatizados, com regras. Esta obsessão com o pequeno investidor, que tem um peso muito pequeno… E bem porque o pequeno investidor já não existe.

Eu sou totalmente favorável a que existam restrições a essa matéria. Esse investidor tem um peso menor naquilo que é o mercado de capitais hoje. Penso que o pequeno investidor deve ter uma parte do investimento em mercado de capitais, mas tem de ser através de veículos, de forma equilibrada e apenas para uma pequena parte da carteira. A maior parte dos investimentos são feitos por máquinas, essas entidades precisam dos dados real time e mais de 20% das receitas da Euronext são market data. Estamos a falar de mais de 100 milhões de euros…

Do nosso ponto de vista, da Euronext, olhamos para esses temas e também para a expansão do modelo federal, que é um modelo de plataforma única, onde todos vêem todos, com atividades locais de proximidade do mercado, serviços e especialização em cada país nas coisas onde possa haver vantagem. No nosso caso foi a tecnologia e vamos celebrar agora o aniversário do centro do Porto.

Estão a investir no centro tecnológico da Euronext no Porto?

Já asseguramos mais um andar, mesmo sem saber ainda quais atividades que vamos colocar lá. Sabemos que será relacionada com IT, mas pode haver outras. Tudo o que são serviços corporativos para a Euronext, seja finance, operations, a relação entre a qualidade dos nossos serviços profissionais e o preço face a outras localizações europeias é muito boa.

Se continuarmos a ser credíveis na entrega, na execução, teremos sempre oportunidades. Isto é muito aquilo que um país pequeno tem de fazer, nós não nos podemos concentrar só na atividade que é puramente doméstica, temos de encontrar o nosso espaço e dentro da Euronext é uma das coisas que tentamos fazer, trazer para Portugal atividades que sejam da Euronext como um todo. Não é fácil, temos de ser muito melhores que os melhores dos outros, porque partidos de uma desvantagem de estarmos um bocado mais distantes, mas se fizersmos um bom trabalho corre bem.

Quantas pessoas têm no Porto agora?

Temos cerca de 140, não são todos recursos internos, nalguns casos são contractors, porque existe sempre um equilíbrio entre as duas atividades, o que é aliás típico no IT.

E já estão a ter dificuldade em encontrar pessoas para contratar?

O mais difícil são pessoas mais qualificadas, porque essas é que têm a maior procura. Ir buscar pessoas mais jovens, recém-licenciadas, para as formar, não sentimos ainda grandes dificuldades. Mas a pessoas mais experientes, já com capacidade de liderança, com experiência em segurança, operações ou suporte, começa a haver concorrência. Não temos tido dificuldade em atrair, mas começa a haver uma procura mais acentuada. Faz parte da vida. E é bom haver concorrência, é bom o facto de haver atividades, haver um cluster, um grupo, uma proximidade, cria valor.

http://www.jornaleconomico.pt/noticias/ceo-da-euronext-lisbon-ha-poucos-capitalistas-e-pouca-poupanca-em-portugal-281648

Há várias novas tendências no mercado, desde o crowdfunding ao Blockchain. Como é que estão a ver estas questões?

Enquanto mercado, não só em Portugal, penso que temos o desafio de perceber como é que podemos ajudar melhor as pequenas e médias empresas de uma maneira que seja transparente e segura, sem uma carga excessiva e penso que ainda não estamos lá. Penso que o mercado hoje funciona bem para empresas grandes e maduras, que fazem aumentos de capital. É preciso perceber como ajudar as PME, o que pode ser dentro do mercado tradicional ou não.

Não tenho resposta ainda, mas é um desafio para o qual nós olhamos. Por exemplo, a Euronext está a olhar para uma solução com Blockchain e constituímos uma empresa chamada LiquidShare, na qual estão envolvidos também os bancos e cujo objetivo é ter uma solução mais simples, transparente e baratas para PME. Provavelmente vamos ter de explorar outros caminhos nessa área.

Este projeto com Blockchain, o LiquidShare, ainda está em desenvolvimento?

A empresa já foi constituída, tem CEO, tem acionistas e está a iniciar o desenvolvimento da solução. Depois há outras coisas.

Quais?

Vejo como bastante positivo a criação das SIMFE – Sociedades de Investimento Mobiliário para Fomento da Economia. Já existe uma aprovada na CMVM e até essa vir a essa uma das que pode entrar em bolsa este ano. Porque é uma espécie de private equity cotada em bolsa, um veículo para investir em empresas pequenas e médias que por si só não teriam capacidade para irem para a bolsa. A sociedade que faz os investimentos, essa sim, é cotada em bolsa.

É um veículo interessante e espero que venham a ser aprovados os real estate investment trusts porque também uma maneira de ter um veículo cotado em bolsa para fazer investimento imobiliário, mas não da forma dos fundos tradicionais que tinham limitações e falta de visibilidade. Existem em outros países, temos entidades portuguesas a emitirem rates, o equivalente, em Espanha portanto a necessidade existe e é uma participação num setor que é relevante que é o setor imobiliário. De uma maneira regulada, com rendimentos distribuídos e que cobrem aquilo que vai além das ações.

O mercado hoje em dia é muito mais que as ações. A dívida para pequenas e médias empresas também num veículo é a mesma coisa, para retirar isso da banca. Todos esses lados que são menos visíveis são muito importantes, como os índices não só os dos países.

Há vários exemplos noutros países para tirar esse peso da banca. O que falta fazer cá?

Falta publicar… Nós temos trabalhado junto com sociedades de advogados e com a CMVM, fazendo sugestões ao governo de exatamente qual devia ser a forma. Penso que é uma questão de aprovar e tenho esperança que seja este ano.

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