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CEO do Novo Banco sobre as conclusões da CPI: “O inquiridor assumiu a gratuitidade da suspeita”

“A culpa é de quem a cumpre com rigor porque a dúvida nunca prescreve. E lá ficará esta conclusão para a história. Estranho mundo este, onde o inquirido assume o ónus da verdade e o inquiridor a gratuitidade da suspeita”, diz António Ramalho num artigo de opinião publicado no DN.
  • Cristina Bernardo
1 Agosto 2021, 12h13

António Ramalho, CEO do Novo Banco, faz hoje, num artigo de opinião publicado no Diário de Notícias, duras críticas ao relatório final da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução (CPI).

“A culpa é de quem a cumpre com rigor porque a dúvida nunca prescreve” e “lá ficará esta conclusão para a história. Estranho mundo este, onde o inquirido assume o ónus da verdade e o inquiridor a gratuitidade da suspeita”, são as duas frases mais emblemáticas de um artigo de opinião que o presidente executivo do banco escreve hoje no artigo do DN.

O CEO do banco que resultou da Medida de Resolução aplicada ao Banco Espírito Santo no dia três de agosto de 2014, e que faz terça-feira sete anos, afirma que “uma Comissão de Inquérito não pode substituir fatos inexistentes por argumentos, não deve substituir argumentos rebatidos por suspeitas, e nunca substituir suspeitas não confirmadas por dúvidas sugeridas”.

“Foi o que aconteceu na Comissão de Inquérito ao Novo Banco, que tinha tudo para ser um sucesso e se tornou num pesadelo para todos, ou quase todos. Um relatório sem relator, aprovado por quem o renegava e reprovado por quem o propunha”, refere o banqueiro num artigo que se intitula “Valeu a Pena”.

“Durante largos meses o Novo Banco esteve a ser escrutinado. Foi escrutinado pela comunicação social, talvez pela opinião pública, pelo seu auditor independente, pelo Tribunal de Contas, pelo auditor especial escolhido pelo Ministério das Finanças e, finalmente, pelos deputados da Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) ao Novo Banco”, começa por descrever o CEO.

Num artigo de opinião escrito em tom satírico, e sem dispensar a ironia, António Ramalho relata também factos. “O Banco apresentou as suas contas auditadas, analisou a versão que respeitosamente contraditou do Tribunal de Contas e respondeu, e corrigiu, as desconformidades processuais que sempre haveriam de surgir na auditoria especial. Ficaram apenas por analisar as conclusões da CPI. Para assegurar este escrutínio, o Banco mobilizou as suas equipas, apresentou documentos, sujeitou-se a análises independentes, disponibilizou-se a horas de audições e outras tantas de preparação”.

“Dentro do Novo Banco chamámos a este projeto ’31 de março’ na vã esperança de resolvermos tudo no primeiro trimestre e criámos uma equipe dedicada a prestar esclarecimentos”, refere acrescentado com ironia que “só para a Assembleia da República seguiram mais de um milhão de páginas, dezenas de milhares de documentos que serviram para alguns deputados brilharem com mais informação do que alguma vez tinham tido em processos anteriores”, lembrou.

A equipa do Novo Banco “investiu horas em audições parlamentares, para não deixar uma única pergunta sem resposta. Foram muitas horas de trabalho para que nos pudessem questionar com rigor”, relata António Ramalho.

O banqueiro, num artigo intimista, não deixa de reconhecer que “se a idade nos tira o repente, dá-nos a sabedoria. Olho para este relatório com interessado distanciamento. Talvez porque ele não tem rosto, não tem autor”.

Ramalho revela ter “avisado” os colaboradores do Novo Banco “que não esperassem uma palavra de reconhecimento pelo esforço despendido”, pois “há muito que sei que a transparência é um valor de rara apreciação”.

“Os meus colaboradores sabem que só devem aceitar sugestões de quem já fez melhor e não de quem diz saber mais, como sempre me foi ensinado”, diz o CEO do Novo Banco.

“Não estávamos preparados para o cair do pano”

“Mas não estávamos preparados para, no cair do pano, sem contraditório nem fundamento, se criarem fatos e verdades alternativas”, confessa António Ramalho em tom de crítica à versão final do relatório da CPI ao Novo Banco.

“Julgávamos que o relatório final de uma comissão de inquérito era escrito com critério e não um jogo de votos onde cada um busca o seu momento de Glória”, ironiza o banqueiro que dá exemplos: “Chega uma auditoria independente à Promovalor que diz que a solução encontrada para a sua restruturação é, entre as alternativas, a que melhor recupera o crédito. Traduz-se em ‘parlamentês’ que a conclusão da auditoria é que os riscos aumentam e a exposição também e o tratamento é de favor; analisam-se as imparidades do Novo Banco e verifica-se uma regularidade, desde 2015 até hoje, que não tem paralelo na concorrência (160 milhões ao trimestre até à venda, 177 milhões ao trimestre depois dela). Logo vem a tradução em ‘parlamentês’ de que as imparidades foram feitas ao sabor do capital disponível”, descreve o presidente executivo do Novo Banco.

“Mas talvez o melhor exemplo seja o fato de mais do que um dos gestores do Novo Banco ter assumido o compromisso de se demitir, caso se provassem vendas a partes relacionadas, nomeadamente ao seu acionista privado”, afirma.

“Em contrapartida desta declaração de compromisso” embora “não se esperasse idêntica coragem dos deputados inquiridores, pelo menos era expectável o respeito pelo ónus assumido, pela assertividade comprometida”, conclui o CEO que acrescenta, “desenganem-se. Na ausência de fatos e certezas, fica em conclusão ‘que não é de excluir que possa ter havido vendas a favor de partes relacionadas’, até porque a lei que os deputados aprovaram não parece muito segura. Logo a culpa é de quem a cumpre com rigor porque a dúvida nunca prescreve”.

É aqui que António Ramalho faz afirmação que pretende que se torne intemporal, como conclusão para a história: “Estranho mundo este, onde o inquirido assume o ónus da verdade e o inquiridor a gratuitidade da suspeita”.

“Alguns pensam que desta forma só atacam a gestão [do Novo Banco] e esquecem que as modernas organizações têm uma descentralização de competências que corresponsabiliza uma longa cadeia de decisores, democratiza a responsabilidade pessoal”, escreve o banqueiro que diz que “este tipo de suspeitas atinge um conjunto de colaboradores discretos, competentes e responsáveis”.

Mas, “para o Parlamento isso pouco importa, são danos colaterais do arremesso político”.

“Para nós estas pessoas têm rostos e nomes. É o João, que desespera com a falta de eficácia na citação judicial, é a Teresa, que sorri com o sucesso de um acordo negociado. Hesitamos nas recuperações? Claro que hesitamos quando do outro lado estão postos de trabalho, estão empresas a cair. Só não hesita quem nunca teve de fazer”, acrescenta o CEO do banco que apresentará as suas contas do primeiro semestre amanhã, segunda-feira.

Para Ramalho, “criticar quem faz do esforço de recuperação até pode suceder, mas é necessária cautela. Criticar quem avalia a imparidade é aceitável, mas é necessária prudência. Mas prudência e cautela não são virtudes parlamentares”.

António Ramalho crítica o conceito político de Fraude Política

A relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito inclui, por proposta do PCP, uma das conclusões mais controversas, e que levou a deputada do CDS a abster-se na votação do relatório.

A resolução do BES e a sua capitalização inicial, de 4.900 milhões de euros, foi “uma fraude política”, ficou escrito no relatório, o que Cecília Meireles disse ser uma conclusão “mentirosa e que nada tem de factual”.

Também Rui Rio, presidente do PSD (que aprovou o relatório) veio dizer que “não há fraude política nenhuma, não subscrevemos essa conclusão”.

Já o PCP ficou contente por a sua proposta de que a Resolução se tratou de “uma decisão que representou uma fraude política, uma vez que foi dito aos portugueses que seria possível resolver o banco com 4,9 mil milhões de euros, sabendo-se que o passivo da ‘holding’ era superior a 12 mil milhões de euros”, ter sido aprovada com votos favoráveis de PS, BE e PCP, e votos contra do PSD, CDS, PAN e IL.

De acordo com o texto dos comunistas, a decisão da medida de resolução ao BES e de criar o Novo Banco, em 3 de agosto de 2014, “foi uma decisão que, pelas suas implicações, também responsabiliza o Governo do PSD/CDS-PP “, à data liderado por Pedro Passos Coelho.

António Ramalho diz hoje, no artigo do DN, que perante a “desfiliação do relatório que criou o conceito de fraude política para uma das decisões mais difíceis e dramáticas da nossa história recente, o fim do universo BES, e que confunde capitalização de um banco sistémico com gasto público leviano na venda de 2017, somos obrigados a recordar as palavras com que o Presidente da Comissão de Inquérito [Fernando Negrão] nos endereçou, quando encerrou a nossa audição, oito horas e meia depois de a ter começado: «- Transmita o reconhecimento a todos os colaboradores do Novo Banco pelo trabalho que levam a cabo todos os dias em circunstancias difíceis»”.

O artigo do CEO do Novo Banco acaba com um agradecimento, apesar de todas as críticas que grassam o texto. “Dez meses depois desta comissão se ter iniciado, é altura de lhe dizer, Senhor Presidente Fernando Negrão, que a sua mensagem foi transmitida a mais de quatro mil famílias e, por conseguinte, a mais de um milhão de clientes e a mais de uma centena de milhar de empresas”.

“Foram os colaboradores e clientes que quiseram este Novo Banco, que se mantiveram resistentes e seguros, na defesa do interesse que não é público nem privado é o interesse da sua vocação enquanto banco nacional. Por isso, apesar de tudo, Valeu a Pena”, conclui António Ramalho.

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