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CGD: O que falhou na presidência de António Domingues?

António Domingues começou por ver o estatuto do gestor público alterado de modo a que pudesse receber um salário de 423 mil euros por ano (mais de 30 mil euros por mês) na CGD. Mas acaba por ficar 4 meses sem que consiga recapitalizar e reestruturar a Caixa.
  • Cristina Bernardo
28 Novembro 2016, 02h26

Desde logo o facto de o Governo ter escolhido para presidente da CGD o vice-presidente do BPI, um banco concorrente, numa altura em que o primeiro-ministro estava a ajudar o BPI, através de um emissário – Diogo Lacerda Machado – a resolver o impasse entre os dois maiores acionistas do banco.

Depois a forma como correu o processo de alterações ao modelo de funcionamento da Caixa. Começou por desaparecer a Comissão de Avaliações que tinha sido nomeada pelo governo para avaliar a nova administração da CGD. Era uma comissão composta por três gestores (Fernando Teixeira dos Santos, Vasco d’Orey e Miguel Pina e Cunha). Esta comissão tinha ainda a missão de escrutinar a execução da carta de missão da CGD nos próximos três anos. Estávamos em março. Mas pouco tempo depois António Domingues é convidado e a comissão é avisada que só vai avaliar a equipe de António Domingues e depois é destituída, porque assim quer o novo presidente da CGD.

António  Domingues foi convidado a 19 de março e diz que aceitou um mês depois, após ter reuniões com Frankfurt e Bruxelas, para perceber se era possível fazer um aumento de capital sem estar sujeito ao regime de ajudas de Estado. Essa foi a primeira condição.

Para conseguir isso começou por contratar a consultora Mckinsey e o escritório Sá Carneiro tendo depois confessado ter tido a aprovação do ministro das Finanças para levar a fatura das assessorias a Conselho da CGD à posteriori. Claro que nunca o conseguiu fazer porque dificilmente algum administrador se atravessava com uma responsabilidade por faturas que não foram contratadas pela CGD.

Foi também o escritório de advogados da sua confiança Campos Ferreira e Sá Carneiro quem terá assessorado a alteração da lei do estatuto do gestor público de modo a caber nas pretensões da gestão de António Domingues. O banqueiro queria salários equiparados aos privados, queria 19 administradores, mas acabou por aceitar 11, dos quais sete executivos. O governo aceitou as alterações da lei e o Presidente promulgou tudo em tempo útil.

Até foi aceite ainda que ficasse com um modelo de governo fora do comum, isto é que acumulasse as funções de CEO com a de Chairman.

Tinha-se demitido do BPI a 30 de maio. Essa data foi depois chamada à guerra política da oposição. Passos Coelho acusou o presidente da CGD de ter tido acesso a informação privilegiada da Caixa (na elaboração do plano de recapitalização levado a Bruxelas) enquanto ainda era administrador de um banco concorrente. António Domingues escreveu-lhe a desmentir. Mas mais tarde foi a própria Comissão Europeia que confirmou as reuniões.

Mas foi quando Marques Mendes revelou que a alteração ao estatuto do gestor público não tinha servido só para libertar os novos gestores dos limites salariais, mas também  (e sobretudo) para não tornar público o seu património e rendimento através da entrega ao Tribunal Constitucional, que a estratégia se complicou.

O ministro das Finanças explica a verdade dos factos “não era nenhum lapso”, a alteração da lei que rege o estatuto do gestor público pressupunha que essa obrigação deixava de existir.

Mas o primeiro-ministro demarcou-se da autorização dessa exceção, dizendo que o Tribunal Constitucional era soberano nessa decisão. O Presidente da República torna essa opinião numa posição oficial.

Depois surgiram noticias que davam conta de que António Costa tinha dito num Conselho de Ministros na Arrábida que a lei não isentava da obrigatoriedade de apresentar as declarações, porque havia a lei 4/83 que a isso obrigava, e portanto a lei que tirava a CGD do estatuto de gestor público era só para os salários. Conselho de Ministros esse onde não estava Mário Centeno, ministro das Finanças. Mas dificilmente alguém acredita que esta condição de António Domingues não fosse do conhecimento de António Costa.

António Domingues viu o estatuto do gestor público alterado de modo a que pudesse receber um salário de 423 mil euros por ano (mais de 30 mil euros por mês) na CGD. Mas acaba por receber 4 meses de salário sem que consiga recapitalizar e reestruturar a Caixa.

A partir do momento em que Marcelo publica no site que os administradores da CGD têm por lei de apresentar as declarações e explica que essa regra serve para avaliar o património à entrada e à saída, tornou-se um tema nacional.

António Domingues pediu então para falar com o Presidente. Pediu pareceres para saber se tinha direito a recusar, e se tinha direito a ser recompensado pela quebra das condições que tinham sido alegadamente aceites pelo Governo.

Preparava-se para entregar um parecer ao TC para justificar a não obrigatoriedade de entrega das declarações ou em alternativa um pedido para não serem tornadas públicas. Admitia ficar, entregando a sua declaração, em nome do interesse da CGD, mas a mudança da lei no Parlamento (proposta pelo PSD, com o aval do CDS e com os votos a favor do Bloco de Esquerda) tirou qualquer margem a António Domingues e aos administradores. Nem todos os administradores se importavam de entregar as declarações. Mas havia alguns que punham entraves a cumprir essa regra e que saíriam. Acabaram por sair seis.

Já o tempo de demora de nomeação da nova administração foi um mau prenúncio. Demorou mais de cinco meses até conseguir ser nomeado, a 31 de agosto, deixando a anterior administração em funções muito para lá do fim do seu mandato.

António Domingues governa há quase três meses em ambiente de incerteza, sem qualquer operação de recapitalização, ou qualquer reestruturação concretizada. Nem tão pouco ficou definido o montante do aumento de capital que depende da avaliação da Deloitte em curso. Além disso, toda a atividade comercial da CGD tem estado parada, assim como toda a gestão das subsidiárias.

Mariana Mortágua disse que o presidente da Caixa se recusou a cumprir as obrigações de transparência da República portuguesa. “Quem se demite por não estar disposto a cumprir as regras de transparência a que o cargo obriga, nunca esteve à altura desse cargo”.

“Que espécie de património é esse que faz com que seja condição para aceitar a presidência da CGD não o divulgar, e que seja mais importante que o interesse da instituição?” Pergunta João Duque na SIC.

(atualiza com o número de administradores que saem da administração da CGD)

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