O continente africano sempre foi desconsiderado por muitos protagonistas mundiais, entre grandes potências e pequenos Estados convencidos da sua superioridade, em que este foi sempre o parente pobre do planeta.

Palco de territórios não soberanos durante séculos, de sucessiva presença de diferentes ocupantes, onde a escravatura, o direito e a consideração pela pessoa humana foi sempre menor, e onde, mesmo após as sucessivas descolonizações, África tem sido o continente mais mítico, mas o menos respeitado à escala mundial.

Espaço de diferenças populacionais abissais, múltiplas etnias, mistérios selvagens e infindáveis belezas naturais, as diferenças mostram-se significativas entre os países acima e abaixo do deserto do Saara, como se constituíssem continentes diferentes.

Enquanto a parte acima do deserto esteve no radar mundial durante algum tempo devido à Primavera Árabe, que proporcionou uma expetativa de mudança radical de alguns regimes políticos, a região subsariana continuou menorizada. Durante muito tempo, regimes autocráticos, onde nem era invocável o estado de direito, assumiram uma mudança lenta e musculada, sem que os outros Estados e as organizações internacionais mundiais lhes dedicassem atenção e o devido reconhecimento.

A dimensão e o desenvolvimento dos Estados é muito distinta. Da Nigéria ao Uganda, da África do Sul a Angola do lado dos grandes, do Mali, Guiné, Suazilândia ou República Centro Africana ou Cabo Verde é bem diferente a organização, a filosofia, a cultura e o poder em cada um. Une-os a localização, mas em cada um existe uma forma própria e única de estar e de ser independente.

Mas também aqui residem as suas fragilidades. A soberania é sentida de forma diferente, as fronteiras têm um significado próprio e o poder se exerce mais de acordo com as várias etnias e com muitas influências de um passado próximo e com uma preocupação de controlo sobre os recursos próprios.

É nas lutas do poder e nas desatenções que se jogam outras cartadas na África subsariana. As influências externas manifestam-se menos sobre o território e mais sobre os recursos naturais, de acesso direto ou por comprometimento futuro para as grandes corporações e de alguns Estados com interesses inconfessados.

Há alguns anos que assistimos ao crescimento de grupos profundamente armados que põem em causa os frágeis poderes, como no Mali, Burkina Faso e no Níger. Estes grupos terroristas, como o Boko Haram, que agem com intervenções sanguinárias, violentas e desumanas, entre chacinas, raptos ou violações. E é também desta região donde migrantes têm fugido massivamente para longe da guerra, e donde se traçam os corredores de droga para a Europa.

Do outro lado deste mesmo continente, numa linha flutuante em volta do equador, como na Somália ou na Tanzânia, têm sido crescentes as referências à intervenção de grupos terroristas com alegadas ligações à Al-Qaeda e ao Daesh, que reivindicam múltiplos ataques com cobertura aos grupos que ali agem como o Al-Shabaab que cresce e encontra respaldo local, mesmo com intervenções enérgicas das autoridades militares e policiais.

Apesar da intervenção externa com missões para controlo local e onde Portugal tem tido uma presença assinalável, o mundo não despertou para a escalada de terror, nem tem encarado que ali pode ser o berço de um problema com uma dimensão maior, como sucedeu de forma rompante no Iraque. Não podemos deixar que tal volte a suceder.