Em 15 de Abril de 2023, a Alemanha desligou da rede as três últimas centrais nucleares. Esta operação, prevista inicialmente para 31 de Dezembro do ano anterior, foi adiada, na sequência da guerra da Ucrânia, com receio do inverno, mas não se deu de forma concertada no seio do Governo, por oposição dos liberais cujo fecho consideraram um erro estratégico.  Scholz caiu para o lado dos verdes com maior peso político no governo e que, desde há muito, se batiam por este desfecho.

Os activistas anti-nuclear saudaram o acontecimento, embora sem alardear grandes entusiasmos.

As reacções contrárias foram bem mais expressivas e diversificadas:

  • Uma carta aberta ao chanceler Scholz, subscrita por físicos, climatologistas e economistas especializados na matéria, incluindo dois prémios Nobel, onde se lia: “solicitamos que as centrais nucleares ainda existentes sejam usadas para alívio da crise energética e contributo das metas climáticas da Alemanha”. Assinale-se que, com a guerra da Ucrânia, devido à escassez de gás natural russo, a Alemanha accionou 26 centrais a carvão para prover necessidades energéticas, com impacto negativo devido ao acréscimo de gás com efeito de estufa (GEE) lançado na atmosfera, sendo a Alemanha, hoje, o país europeu mais poluidor;
  • O ministro-presidente do estado da Baviera, Markus Soder, mostrou a sua profunda indignação, afirmando que esta decisão de Scholz constituiu um perigo real para a Alemanha, porque perde, a longo prazo, a segurança de aprovisionamento de energia, sem qualquer fundamento científico e contraria a vontade do povo alemão, apenas por uma razão “de pura ideologia ambientalista”;
  • O líder da oposição Frederich Merz (presidente da CDU) em várias entrevistas à comunicação social afirmou que a saída da energia nuclear faz parte de uma política energética enviesada, quase fanática. “São reservas ideológicas e o mito fundador dos verdes que triunfam sobre toda a razão”.

A fechar este panorama, é de referir uma sondagem específica que mostra uma maioria qualificada do povo alemão contra o fecho dos reactores nucleares. Apenas 26% dos alemães dizem concordar com o seu desligamento.

Fatih Birol e a energia nuclear

Fatih Birol é o director executivo da Agência Internacional de Energia (AIE), um organismo autónomo ligado à OCDE, criado em 1974. Birol é um economista turco, especialista em energia e considerado, numa lista da Time de 2021, uma das 100 personalidades mundiais mais influentes na matéria.

Há menos de um mês, numa conferência em Paris na Science Po (5 de Abril 2023), Birol apelou aos países da União Europeia (EU) que se opõem ao nuclear a fazer “uma autocrítica séria das suas políticas energéticas” pois entende que, para além da envolvente externa (subentende-se a guerra na Ucrânia), a situação na Europa (atropelos profundos na política energética) se deve a “dois erros estratégicos maiores”, cometidos por alguns Países-Membros e pelas Instituições da União Europeia.

Para Birol, o erro de Bruxelas deve-se à desvalorização da energia nuclear, a que acrescento a sujeição das instituições da UE à posição da Alemanha que se nega a ter em conta os avanços da tecnologia nestes últimos tempos que certificam que a energia nuclear reúne as condições para participar na transição energética e no combate à crise climática e até, em certos domínios, com vantagens sobre as renováveis.

Quanto aos estados-membros, onde a Alemanha pontifica, diz que manteve “inúmeras discussões com o governo alemão e numerosas pessoas interessadas no tema que diziam que, mesmo durante a guerra-fria, a Rússia nunca cortou o gás”, mostrando os poderes públicos, desta forma, uma indiferença, uma posição naif nas questões de soberania energética e de segurança de aprovisionamento. Em seu entender, países houve, como a Alemanha, que puseram “os ovos todos no mesmo cesto a saber na Rússia”.

Cada Estado-membro, no quadro do Tratado de funcionamento da UE, é livre e soberano de escolher as fontes de energia e a exploração dos recursos como bem entende. Não deve, contudo, tentar manipular, como tem acontecido, para excluir o nuclear do Plano Europeu, impedindo o desenvolvimento de toda uma fileira industrial, tão determinante ao desenvolvimento, designadamente através do impedimento de financiamentos europeus e tentar que, por exemplo, não se integre o hidrogénio de origem nuclear na directiva sobre energias renováveis (RED III), no que contou com o apoio de Portugal, entre outros países.

Para a Agência Internacional de Energia, o cenário de neutralidade do carbono prevê que a capacidade da energia nuclear a instalar no mundo duplicará até 2050 e terá “um papel importante para o objectivo zero de emissão” de carbono. A AIE reconhece, assim, um papel importante à energia nuclear na descarbonização da sociedade, ao lado das energias renováveis.

O G7 e a energia nuclear

O G7 inclui a Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido, os sete países, tidos como os mais industrializados do Planeta – um conceito algo discutível.

Reunido em Sapporo no norte do Japão, nos dias 15 e 16 de Abril último, o G7 analisou vários temas relativos à energia, não se comprometendo, por exemplo, com uma data para a eliminação gradual do carvão no sector da electricidade, apesar da grande pressão do Reino Unido, que apoiado pela França, avançou uma proposta para o ano de 2030, mas sem sucesso.

No campo da energia nuclear “formou-se”, quase diria, um G6, pois todos os países, com excepção da Alemanha, mostraram-se empenhados no desenvolvimento da energia nuclear, sendo o Japão, o país que mais tem defendido a mudança de política sobre a nuclear, uma vez que após Fukushima (2011) tinha decidido desligar paulatinamente os reactores. O Japão criou um programa de relançamento da nuclear, porque concluiu não conseguir fazer a transição energética sem o seu recurso.

Fatih Birol esteve presente nos debates deste G7.

De tudo quanto se disse, algumas ilações podem ser esboçadas.

  • A energia nuclear está a ganhar um papel de maior relevo na transição energética, embora, a nível da UE, esse reconhecimento esteja a enfrentar dificuldades acrescidas;
  • A União Europeia está cada vez mais dividida nesta matéria, tendo-se constituído o clube da nuclear que, neste momento, agrega 14 países;
  • A Alemanha continua na sua posição destrutiva e unilateral, a tentar boicotar a energia nuclear no “mix energético europeu”, agindo, desta forma, capturada por grupos económicos com grandes interesses nas energias renováveis que dominam e sabendo que, na nuclear, a sua tecnologia não é de primeiro nível.

Pensamos que este não é o caminho certo para uma política de energia sustentada na União Europeia. Pelo contrário, insistir nele pode levar a um cenário algo assustador para o Futuro da União Europeia.

Uma política energética concertada no seio da União, em que a energia nuclear faça parte da equação, em plano de igualdade com as renováveis, é futuro, independente das opções que cada país fizer.