Semanas a fio marcadas por protestos e greves, em Portugal e pela Europa inteira, em que o fator principal é a desigual redistribuição de rendimentos, e de ganhos de produtividade, entre as empresas (capital) e o conhecimento (trabalhadores). Numa tendência secular que em Portugal se agravou, num padrão cada vez mais terceiro-mundista, por opção política.

Opção política que penaliza os vencimentos dos funcionários públicos e sinaliza ao setor privado que as empresas se devem apropriar do grosso do aumento das margens de comercialização, da retoma do turismo ou da inflação.

Curiosamente quase ninguém se lembra que em Portugal existe uma terceira via, entre o sindicalismo de protesto, e greves a roçar o abusivo, e o sindicalismo de frete ou acomodatício. Existe um caminho e a legislação portuguesa, na esteira das economias consensuais do Norte da Europa, possui os mecanismos institucionais da prevenção dos conflitos laborais e da promoção da paz social. Temos até uma Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT), na tutela do Ministério do Emprego e Segurança social, cuja função deveria ser essa mesmo: promover mecanismos institucionais de resolução de divergências ou conflitos laborais que não passem exclusivamente pelo protesto de rua ou por greves.

Deveria ser, mas não é porque, não obstante existirem centenas de convenções coletivas celebradas, apenas uma percentagem ínfima recorre ao processo de conciliação, sob os auspícios da DGERT. Sem que tipicamente nestes processos a DGERT consiga exercer um magistério de influência no sentido de aproximar as partes e lograr um acordo. Daí as greves e as paralisações, sinal de que a DGERT não cumpre de forma eficaz o papel que deveria ser o seu.

Mais grave ainda, no mecanismo seguinte, denominado de mediação, a DGERT deveria promover ativamente o acordo das partes, deixando de ser um mero anfitrião de procura do consenso (conciliação) para passar a ter um papel protagonista (mediação). Deveria, porque de centenas de convenções coletivas menos de 1% são alvo de conciliação e menos de uma mão cheia são beneficiárias da mediação (ativa, pressupõe-se) da DGERT. E, pasme-se, em nenhum caso, nos tempos mais recentes, a proposta da DGERT foi aceite pelas entidades patronais.

Eis-nos chegados ao país do faz de conta. Leis, funcionários e dirigentes públicos, Direção Geral e Ministério, milhões de euros em despesa de funcionamento, resultados tendencialmente nulos. Porque o Trabalho Digno deve começar por conferir dignidade à DGERT para que exerça o papel, com sentido de Estado, que todos esperamos e pagamos.

Claro que a DGERT deveria ter técnicos com carreiras autónomas e especiais, como uma magistratura, livres de subordinação e interferência partidária. Listas de conciliadores e de mediadores públicas, sorteados em cada processo. Não deveriam os conciliadores saltitar para mediadores, no mesmo processo. Deveriam as partes poder nomear peritos de parte e todas, mas mesmo todas as propostas de conciliação ou de mediação serem alvo de publicação, obrigatoriamente fundamentadas e objeto de recurso para os juízos do trabalho.

Só assim teremos melhores salários, melhor distribuição de rendimentos e menos greves e paralisações. Se e quando a DGERT tiver os meios, a independência e a transparência que possibilitem o escrutínio público, a valorização das suas decisões e confiram aos seus funcionários e dirigentes uma gravitas institucional que torne demasiado oneroso às partes empresariais e laborais recusarem liminarmente todas as resoluções da DGERT.

O trabalho digno começa por valorizar as instituições e os funcionários da República. A DGERT, em particular.