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CMVM multa Deloitte em 100 mil euros por causa da sua auditoria às contas da Portugal Telecom

Recorde-se que já ficou provado em tribunal que as contas de 2013 da Portugal Telecom tinham deficiências relevantes, tendo de resto os seus administradores sido condenados. Agora tratou-se de analisar o papel da auditora externa. A CMVM divulgou 13 decisões relativas a processos de contraordenação, nove das quais em regime de anonimato.
26 Janeiro 2022, 18h59

A auditora Deloitte foi multada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) por falhas na auditoria às contas trimestrais da antiga Portugal Telecom (PT) referentes a 2013 por violação “a título doloso” da lei, confirmou o Jornal Económico. Foi requerida a impugnação judicial desta decisão.

“Atentas as circunstâncias do caso concreto, deliberou o Conselho de Administração da CMVM aplicar à arguida uma coima única de 100 mil euros”, diz a CMVM.

Recorde-se que já ficou provado em tribunal que as contas de 2013 da Portugal Telecom tinham deficiências relevantes, tendo de resto os seus administradores sido condenados. Agora tratou-se de analisar o papel da auditora externa.

Foram identificadas deficiências quanto a procedimentos de auditoria relativos a deveres de documentação e deveres de obtenção de prova que não foram cumpridos, nomeadamente em questões relativas à exposição da PT ao BES.

“No âmbito da revisão legal de contas das demonstrações financeiras consolidadas de uma entidade emitente de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado [PT], a arguida [Deloitte] não documentou adequadamente, nos papéis de trabalho/dossier de auditoria, a análise por si efetuada e os fundamentos da sua conclusão sobre a correção de informação divulgada em nota explicativa (respeitante a riscos com atividade de tesouraria) às demonstrações financeiras auditadas”. Por esta violação, a Deloitte incorre na prática de uma contraordenação grave, punível com coima entre 10 mil euros 50 mil euros. A CMVM acusa também de outra infração menos grave, punível com coima entre 2.500 euros e 500 mil euros.

A Deloitte também “não documentou adequadamente, nos papéis de trabalho/dossier de auditoria, a análise por si efetuada e os fundamentos da sua conclusão sobre a adequada valorização (imparidade) de instrumentos financeiros de dívida relevados (como ativo) no balanço da entidade auditada”, o que confere uma contraordenação grave, punível com a mesma coima. Também aqui a CMVM acusa de outra infração menos grave, punível com coima entre 2.500 euros e 500 mil euros.

“A arguida também não documentou adequadamente, nos papéis de trabalho/dossier de auditoria, a análise por si efetuada e os fundamentos da sua conclusão sobre a correção de informação divulgada em nota explicativa (respeitante a investimentos de curto prazo) às demonstrações financeiras auditadas”, diz a CMVM, voltando a estar aqui em causa uma coima 10 mil e 50 mil euros, a que acresce outra infração, menos grave, punível com coima entre 2.500 euros e 500 mil euros.

A Deloitte também “não obteve prova apropriada e suficiente para suportar a sua conclusão quanto à informação divulgada em nota explicativa (respeitante a investimentos de curto prazo) às demonstrações financeiras auditadas”. As coimas são as mesmas.

Finalmente “a arguida não documentou adequadamente, nos papéis de trabalho/dossier de auditoria, a análise por si efetuada e os fundamentos da sua conclusão sobre a correção da informação divulgada em nota explicativa (respeitante a transações com partes relacionadas – acionistas) às demonstrações financeiras auditadas”, estando também em causa a mesma sanção.

CMVM divulgou 13 decisões de processos de contraordenação

A CMVM divulgou hoje 13 decisões relativas a processos de contraordenação, nove das quais em regime de anonimato. Entre elas está esta da Deloitte.

Quatro processos são por violação de deveres dos intermediários financeiros, nomeadamente o dever de prestação de informação aos clientes sobre o custo do serviço de intermediação financeira a prestar, de manter registos de todos os serviços, atividades e transações prestados ou efetuados, que sejam suficientes para permitir a verificação do cumprimento das suas obrigações perante os investidores, e de fornecer aos clientes informação sobre o risco do instrumento financeiro e a disponibilização ao público do prospeto de oferta pública. Aqui foram aplicadas quatro admoestações.

Em três processos por violação de deveres de prestação de informação à CMVM, nomeadamente o dever de divulgar, no sistema de difusão de informação da CMVM, os documentos de prestação de contas anuais, no prazo de quatro meses a contar da data de encerramento do exercício, e o dever de divulgar os documentos de prestação de contas semestrais, até ao final do terceiro mês seguinte ao termo do primeiro semestre do exercício a que respeitem levou à aplicação de três admoestações.

Depois há dois processos por violação do dever de defesa do mercado, em que os arguidos inseriram ofertas idóneas a pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado. Aqui foram aplicadas coimas no montante de  25 mil e de 50 mil euros, suspensa em 25 mil euros pelo prazo de dois anos.

Na lista estão ainda três processos por violação de deveres de atuação dos auditores, em que estavam em causa violações do dever de rotação do sócio responsável pela orientação ou execução direta da revisão legal das contas (certificação legal de contas), do dever de documentação e do dever de obtenção de prova apropriada e suficiente para suportar a opinião do auditor.

Num desses processos estava ainda em causa a violação, no quadro da prevenção de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, dos deveres de identificação dos clientes e respetivos representantes, de diligência na identificação dos beneficiários efetivos da entidade auditada e conhecimento da estrutura de propriedade e de controlo da mesma, bem como de recusa de realização de operações.

Aqui foram aplicadas coimas no valor de 50 mil euros, suspensa em 25 mil euros pelo prazo de dois anos, de 10 mil euros, integralmente suspensa pelo prazo de dois anos, e de 100 mil euros, sendo que foi requerida a impugnação judicial desta última decisão.

Depois há um processo por violação dos deveres da entidade gestora de organismos de investimento coletivo, devendo-se destacar a violação do dever de dar prevalência aos interesses dos participantes de um fundo de investimento gerido pela entidade gestora, do dever de aplicar e manter mecanismos de controlo interno adequados, bem como de deveres relativos à subcontratação de funções por parte da entidade gestora. Neste processo estava ainda em causa a violação de deveres relacionados com a prevenção de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, como sejam os deveres de conservação e arquivo e o dever de recusa. Foi aplicada uma coima de 75 mil euros.

A CMVM publicou também dois acórdãos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão), “que confirma integralmente a decisão do Tribunal de 1ª Instância, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que indefere o incidente de arguição de nulidade suscitado pela arguida, qualifica o incidente como manifestamente infundado e decreta o trânsito em julgado da decisão condenatória, no processo de contraordenação nº 6/2017”, instaurado pelo supervisor dos mercados.

Trata-se de dois acórdãos relativos ao processo da KPMG que perdeu o recurso no Tribunal da Relação, no qual reclamava contra a sentença da CMVM de a condenar por causa do seu trabalho de auditoria ao BES. O Tribunal da Relação julgou “improcedente” o recurso da KPMG da decisão do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de Primeira Instância que manteve a condenação da CMVM, reduzindo, no entanto, a coima. A sanção chegou à Relação em 450 mil euros, pelo que foi mantido nesse valor. A condenação original, da CMVM, tinha sido de um milhão de euros.

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