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Código da Atividade Bancária deverá ser enviado às Finanças no fim do ano

O Banco de Portugal lança um código que permite corrigir “o envelhecimento” do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, que data de 1992 e que hoje não passa de uma manta de retalhos de leis europeias e nacionais.
  • Cristina Bernardo
2 Novembro 2020, 20h38

O Banco de Portugal tem em consulta pública, até 4 de dezembro de 2020, o anteprojeto de Código da Atividade Bancária, que é considerada a grande reforma do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, que data de 1992, com todas as alterações subsequentes.

O supervisor bancário tem a previsão de enviar a versão final do anteprojeto ao Ministério das Finanças durante o mês de dezembro. Pelo que o código nunca entrará em vigor este ano, já que depende de votação na Assembleia da República.

A necessidade de mudança de uma legislação que “não envelheceu bem”, é um imperativo para o Banco de Portugal. Sendo que esta legislação não retira espaço a uma reforma da supervisão financeira que venha a ser retomada no futuro e que tenha a preocupação, entre outras, de autonomizar a função de Autoridade de Resolução do Banco de Portugal.

Na consulta pública em curso o supervisor bancário pretende recolher e acolher sugestões dos vários stakeholders para depois avançar com uma versão definitiva da lei bancária, que tem a finalidade de reorganizar e atualizar o regime jurídico-bancário português – tendo em vista a promoção da resiliência do sistema bancário, o robustecimento dos instrumentos de governo interno, o aumento da transparência e mitigação de conflitos de interesses no âmbito da atividade das instituições de crédito, bem como o reforço da capacidade de intervenção do supervisor da banca.

O Banco de Portugal defende que este código permite corrigir “o envelhecimento” do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, tendo em conta que hoje a legislação é uma manta de retalhos de leis europeias transpostas para o direito nacional.

Os objetivos deste anteprojecto, desenhado pelo Banco de Portugal sob coordenação de Luís Máximo dos Santos, são: consolidar regimes avulsos; dar resposta a necessidades regulatórias, tendo em conta a “experiência acumulada de supervisão”; consolidar o que diz o Livro Branco sobre a Regulação e Supervisão do Sistema Financeiro (BdP, 2016); absorver as experiências das comissões parlamentares de inquérito dos últimos anos sobre os casos da banca e ainda transpor diretivas europeias (banking package: CRD V [Capital requirements directive ] e BRRD II [Bank recovery and resolution directive]; e parte da Diretiva de Empresas de Investimento – IFD.

O Banco de Portugal defende que o robustecimento dos regimes, acrescido da maior capacidade de intervenção do supervisor resulta num reforço da estabilidade financeira.

Caso venha a ser aprovado pelo legislador, e no âmbito de aplicação, há mudanças significativas ao regime atual e outras que são clarificações. Desde logo ao nível da definição de instituições de crédito. Há um novo conceito (que vai de encontro às normas europeias). Assim desaparece a extinção da tipologia “instituição financeira de crédito” e extingue-se a tipologia da “instituição de crédito hipotecário”.

A definição de sociedade financeira passa a ter um tipo único, e o objeto é diferenciado por escalões de capital social mínimo consoante a atividade autorizada. Se uma sociedade, para além do crédito propriamente dito, também desenvolver atividade na área dos serviços de pagamento terá um capital social mínimo acrescido, por exemplo.

O conceito deixa de abranger empresas de investimento, agências de câmbios e sociedades de garantia mútua (que terão regimes jurídicos próprios alinhados com este código).

A definição de idoneidade no âmbito da avaliação e adequação dos órgãos sociais foi todo reescrito no novo código para ficar mais claro. Nomeadamente no que toca à independência formal e à independência de espírito.

No âmbito do conflito de interesses a proposta de lei prevê que “a avaliação da independência atende à conduta da pessoa na instituição de crédito e em cargos anteriores visa aferir se a pessoa possui independência de espírito e, se necessário, se pode ser considerada como membro independente”.

A avaliação de adequação dos membros dos órgãos de administração e fiscalização tem em conta a dimensão, organização interna, natureza, âmbito e complexidade das atividades da instituição de crédito, entre outros requisitos.

A simplificação pretende ser a palavra de ordem do novo código que o supervisor bancário quer ver aprovado no Parlamento, que permite “um acréscimo” de segurança jurídica ao Banco de Portugal e redução de custos de contexto.

Entre as principais novidades está reorganizar, rever e robustecer os artigos da lei referentes à gestão sã e prudente; ao Governo societário (ao nível da diversidade de conhecimentos dos órgãos sociais, competência e experiência); ao nível do equilíbrio de género no board (consagra-se expressamente que as práticas e políticas remuneratórias das instituições de crédito devem ser neutras do ponto de vista do género) e torna mais claro que o presidente do Conselho de Administração tem de ser não executivo. Mas há também clarificação no que toca à adequação dos membros de administração e fiscalização, um dos assuntos que mais incompreensão tem gerado no setor bancário. O Código da Atividade Bancária clarifica as normas e estabelece o número adequado de membros independentes no órgão de administração.

O código alarga a malha do controlo da adequação a outros quadros para lá os órgãos sociais e estatutários, ao estabelecer critérios de adequação a outros titulares de funções essenciais.

Quanto às práticas e políticas remuneratórias a legislação resulta muito do trabalho da EBA – Autoridade Bancária Europeia, mas o Banco de Portugal introduz aqui a proporcionalidade em função da dimensão das instituições. “É introduzida maior proporcionalidade no regime em causa, por via de uma norma derrogatória das obrigações relativas ao pagamento através de instrumentos e de diferimento da componente variável da remuneração”, lê-se no anteprojecto.

Foi revista a redação das normas relativas às diversas medidas de supervisão, no sentido de as robustecer e clarificar os respetivos pressupostos de aplicação, mantendo-se a capacidade de o Banco de Portugal intervir quando necessário para resolver questões que detete no contexto da supervisão.  Assim, estabelece-se que o Banco de Portugal “pode aplicar determinações específicas para sanar irregularidades, prevenir o risco da sua ocorrência ou para salvaguardar a estabilidade financeira, a gestão sã e prudente e a solidez das instituições e os interesses dos depositantes e demais clientes”.

Passa também “a prever-se expressamente que o Banco de Portugal pode emitir recomendações genéricas dirigidas ao conjunto das entidades supervisionadas, com a faculdade de lhes associar um mecanismo de “comply or explain”, à semelhança da Autoridade Bancária Europeia”.

No que respeita à atividade publicitária, o RGICSF, apesar de atribuir ao Banco de Portugal poderes de fiscalização das instituições de crédito e demais entidades por si supervisionadas, abrangendo o poder de ordenar a modificação, suspensão e retificação de mensagens publicitárias ilícitas e, ainda, o de regulamentar os deveres de informação e transparência, não atribuía ao Banco de Portugal competência para instrução dos processos de contraordenação nem para a aplicação de coimas e sanções acessórias por violação das disposições legais ao nível da publicidade. Com o novo código da atividade passa a ser possível. “Assim, procede-se agora à revisão dos poderes do Banco de Portugal em matéria de publicidade. Apesar da manutenção dos referidos poderes de fiscalização, intervenção e regulamentação, de forma a garantir uma intervenção mais consistente”, lê-se no anteprojecto.

No que toca ao conflito de interesses e partes relacionadas, o Banco de Portugal quis refletir na lei as experiências dos últimos anos (caso BES é disso exemplo), e por isso criou um regime restritivo de transações com partes relacionadas e a proibição do self-placement a investidores não profissionais.

“Proíbe-se a concessão de crédito, quer a investidores profissionais quer a não profissionais, se o crédito tiver como finalidade a aquisição, nomeadamente, de instrumentos financeiros emitidos pela própria instituição de crédito”, define o texto da lei que acresce que “estes instrumentos financeiros não podem sequer ser vendidos a investidores não profissionais pelas próprias instituições de crédito, uma vez que, neste domínio em que os conflitos de interesses se apresentam mais intensos”.

É também estabelecida a obrigatoriedade de disponibilizar ao supervisor, mediante pedido, os dados relativos a empréstimos concedidos a membros dos órgãos de administração e fiscalização e partes relacionadas, diz o texto da proposta legislativa.

Há proibições de operações com entidades de países não cooperantes, cuja não cooperação se testa empiricamente, com pedidos de informação concretos do BdP, não havendo portanto “não cooperantes” definidos à partida. Isto aplica-se, por exemplo, a operações com a filiais ou sucursais de bancos em geografias vulgarmente conhecidas como exóticas, e mais opacas em termos legislativos.

“Proíbem-se operações com entidades sediadas em países considerados não cooperantes, nomeadamente por existirem impedimentos legais de acesso a informação necessária à supervisão em base consolidada nos respetivos ordenamentos”, lê-se no projecto legislativo.

A intervenção do Banco de Portugal (havendo impedimentos não identificados previamente), dá-se ao nível de impor requisitos prudenciais mais exigentes, de limitar ou fazer cessar a atividade da sucursal ou limitar de operações através de filial; de impor a não consolidação prudencial da filial ou limitar a exposição da instituição à filial; de determinar a venda da participação social na filial; e de dever de assegurar a autossuficiência de liquidez de filiais e sucursais em países terceiros.

A inibição provisória de direitos de voto de participante qualificado é uma das novidades e vai no sentido de reforçar a capacidade de intervenção do supervisor em situações de urgência. Os objetivos passam por prevenir o risco de grave dano para a gestão sã e prudente da instituição e prevenir riscos para a estabilidade financeira.

O BdP passa, se o código for aprovado, a determinar a venda de participações qualificadas em casos de inibição de direitos de voto (onde é imposta a venda total); em casos de risco de Branqueamento de Capitais e Financiamento de Terrorismo (é imposta a venda total); ou por motivos relativos à solidez financeira da instituição (venda total ou parcial).

Foi também alterado o regime relativo ao estabelecimento de sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede em país terceiro. De forma a aumentar a capacidade do Banco de Portugal para mitigar os potenciais riscos decorrentes do estabelecimento destas sucursais, foram acrescentados requisitos tendentes a robustecer o respetivo regime de autorização.

As matérias relativas a participações qualificadas e direitos de voto são inseridas num mesmo capítulo. O regime relativo à comunicação da intenção de aquisição de participações qualificadas é aperfeiçoado e clarificado, à luz da experiência de aplicação do regime em causa. “Em acréscimo ao regime vigente relativo à inibição do exercício de direitos de voto, prevê-se a possibilidade de determinar a inibição provisória, em casos de justificada urgência, à semelhança do regime previsto para a suspensão provisória de membros dos órgãos de administração e fiscalização”, refere o anteprojecto.

Por outro lado, prevê-se que, em caso de inibição dos direitos de voto, e tendo também em atenção riscos relacionados com branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, “o Banco de Portugal possa determinar a venda da totalidade da participação qualificada”. O Banco de Portugal pode também determinar a venda total ou parcial da participação qualificada por motivos relacionados com a solidez financeira da instituição.

No que toca a alterações introduzidas por força da CRD V, destaca-se a previsão da obrigatoriedade do estabelecimento de uma empresa-mãe intermédia na União Europeia para o exercício da atividade por parte de uma entidade de país terceiro através de filial.

A transparência perante o supervisão é um dos princípios da legislação proposta, o que implica a garantia de acesso às instalações, aos colaboradores, à documentação; e a estruturação dos grupos de forma transparente.

A densificação do regime e clarificação dos poderes do supervisor no que toca à prevenção e combate à atividade financeira ilícita é outro das características do documento. Esta atividade requer a colaboração de entidades policiais, autoridades judiciárias e outras. Mas também implica divulgar alertas, poder para requerer a dissolução e liquidação de entidades e emitir determinações específicas a entidades não reguladas.

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